No final da semana passada, o presidente Bolsonaro esteve em visita ao Ceará, onde assinou ordens de serviço para retomada de algumas obras rodoviárias, in loco. Pessoas se aglomeraram para vê-lo discursar, muitas delas sem máscaras, inclusive o próprio presidente, dando um grande mau exemplo para o restante da sociedade, num momento delicado. Num de seus discursos, ele alfinetou indiretamente os governadores que estão adotando medidas de restrição, como toques de recolher e lock down, por exemplo, em seus Estados, inclusive no Ceará, por exemplo, visando diminuir a transmissão do Coronavírus e a consequente lotação dos leitos hospitalares, principalmente de Unidades de Terapias Intensivas (UTIs). Ele declarou que aqueles governadores deveriam arcar com os custos do desemprego que eles estariam gerando e do auxílio emergencial que o Governo Federal pretende retomar, além de ameaçá-los com cortes nos repasses de verbas federais. Já o governador Camilo Santana não foi ao encontro do presidente para recepcioná-lo, em nenhum daqueles eventos públicos, alegando não compactuar com o que ele considerava "um equívoco".
As visitas e encontros entre os chefes dos Executivos, nas distintas esferas, deveriam ser melhor articulados entre os cerimoniais das casas executivas. Você há de convir que é meio descortês um governador não fazer as vezes de anfitrião de um presidente, quando tem a honra de receber a ilustre visita deste, em seu Estado. Fica parecendo que eles governam dois povos diferentes, sujeitos à autoridades diferentes, e que são líderes de nações inimigas e em pé de guerra. No entanto, o governador estava bem calçado com uma justificativa relevante e elegante. Ele tinha razão em não apoiar uma visita do presidente ao Ceará, num momento inoportuno e organizada de modo tão inadequado. Não se sabem ao certo as intenções do presidente ao fazer tais aparições públicas presenciais de necessidade questionável, conhecendo a fragilidade e as necessidades daquela gente que se aglomerava para vê-lo falar e que lhe pedia liberdade para trabalhar. Por sua vez, ele se limitava a jogar a culpa para os governadores, sem ter o bom senso de considerar que as medidas estabelecidas por eles para enfrentamento da Pandemia, por um lado, causaram retração econômica inevitável mas, por outro, visaram poupar vidas.
Seguem-se as trocas de farpas e a queda de braço improdutivas entre o presidente da República e a maioria dos governadores, motivando até mesmo articulações para um possível processo de impeachment contra o presidente. Passamos de mais de 250.000 vidas ceifadas pela COVID-19, somente no Brasil. Esta grande Arca de Noé, ou Nau da Loucura, como preferir, segue navegando às cegas, há cerca de um ano, neste imenso mar sem terra firme visível no horizonte, com vários comandantes autodeclarados gritando ao mesmo tempo e mandando que as velas e os remos sejam dispostos em distintas direções. O navio acaba não saindo do lugar, a não ser levado pelo balanço das marés e à deriva, até encalhar em algum lugar. A nossa suprema corte, que deveria arbitrar as indisposições e divergências entre esses pretensos comandantes, como se diz no dialeto cearense, acaba baldeando mais ainda o coreto. Uns querem e até demonstram algumas atitudes de vanguarda no enfrentamento à Pandemia, partindo em busca de prover as populações com as melhores vacinas disponíveis no mercado internacional, por exemplo, mas vinham sendo impedidos de seguir adiante por entraves legais e burocráticos. Pelo menos até agora. Todavia, acontece ainda muito de cada um só pensar no seu e querer favorecer os seus. Mas isso não parece ser um problema exclusivamente brasileiro. O fato é que ainda não aprendemos o suficiente com o freio de arrumação dado pelo Coronavírus no mundo. Muitos seguem colocando interesses próprios ou de suas bandeiras partidárias acima de interesses humanos e coletivos.
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