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segunda-feira, 10 de abril de 2023

CARNE FRACA, PONTO FRACO

 


            O filme Ressurreição (Risen), de 2016, foca no tribuno romano Clavius, que é incumbido pelo procurador romano Pilatos, representante do imperador romano na Judeia, de cuidar para que o corpo de Cristo seja devidamente sepultado e que seu Santo Sepulcro não seja violado. Dias depois, ele também é incumbido de investigar o aparente sumiço daquele mesmo corpo. No intervalo entre aqueles dias, chama a atenção uma cena em que Clavius, após um dia em que reprimiu um levante armado de rebeldes, comandando seu pelotão, retorna ao palácio do governo romano, vai para a terma e, ao entrar na piscina, encontra Pilatos, que lhe pergunta se ele não estaria precisando de "um bom vinho, uma massagem e uma mulher". Clavius agradece e se queixa de se sentir cansado e com dificuldades para dormir. Pilatos responde mais ou menos assim: "Uma boa noite de sono lhe fará bem. Amanhã acordará descansado". Certamente, ambos ainda não conheciam o conceito de síndrome de burnout. O tribuno Clavius exercia uma função que exigia esforços mentais e físicos extenuantes.


            Outra cena interessante se dá quando, após voltar de uma cerimônia de cremação de seus soldados mortos, o tribuno se apresenta a Pilatos, que lhe diz estar sentindo cheiro de carne. Em seguida, entram os membros do Sinédrio que pediram a cabeça de Cristo, reclamando que a religião não permite a cremação. Ou seja, aquele ritual funerário romano os deixa escandalizados, mas aquilo era a menor das coisas capaz de escandalizá-los.


            O filme ganha ares de romance policial, como o livro/seriado brasileiro Agosto, de Rubem Fonseca, pelos caminhos percorridos pelo protagonista, em locais e momentos distintos, no dinamismo de sua busca desenfreada pela verdade que ele buscava encontrar. As cenas que mostram as investidas de Clavius com seus soldados, arrombando portas de casas e perseguindo gente pelas ruas, em busca dos apóstolos e de onde eles supostamente teriam escondido o Corpo, lembram bastante as batidas policiais mostradas nos programas policiais da TV. Como um detetive da antiguidade, ele detém suspeitos para averiguação e os leva ao seu escritório, para tomar seus depoimentos.


            Por vezes, Clavius demonstra sua devoção religiosa ao culto pagão romano, principalmente ao deus Marte, que era o deus da guerra. Ele tem estado, boa parte do tempo, como se diz em nosso linguajar regional, por cima da carne seca, ou seja, do lado do poder ou do lado privilegiado da gangorra, até que, numa de suas buscas, ele tem uma grande surpresa, que o deixa meio que em estado de choque, fazendo-o deixar tudo para trás e partir, meio que em fuga dissociativa. Paramos por aqui a discussão sobre o filme, para evitar fazer spoiler. Apesar da abordagem atípica do tema abordado, focando numa segunda e subalterna pessoa como protagonista, Ressurreição (Risen) não deixa de ser um filme interessante para reflexão, sem querer tirar os méritos excepcionais de Paixão de Cristo (Passion), dirigido por Mel Gibson, há quase 20 anos, que dispensa maiores apresentações e, para o qual, há uma continuação prevista para breve.


            Depois que muito batemos na tecla do mesmo assunto, por esses dias, aqui neste espaço, talvez isso lhe tenha trazido boas e pertinentes recordações. Talvez também você tenha também começado a se sentir oco por dentro, principalmente na cabeça, no coração e na alma, e pensando sobre que rumo tomar, daí em diante, assim como o protagonista daquele filme, que foi uma espécie de precursor de Saulo de Tarso, caçador de cristãos, que viria a se chamar São Paulo, depois que encontrou o que procurava. Quiçá você também tenha se tocado de que você está no lucro, pois, enquanto Jesus ganhou uma coroa de espinhos na cabeça, fora os pregos nas mãos e nos pés, você e cada um de seus semelhantes ganharam apenas um espinho na pele.


            Se você tem dificuldades em ser sensibilizado por essas reflexões, assim como aquele tribuno teve dificuldades em acreditar em tudo que viu e ouviu, qual é mesmo seu ponto fraco? Para quê mesmo você veio aqui, a este mundo? Você já (se) descobriu? Dentre aqueles personagens aos quais Jesus mais se referiu, e com os que mais interagiu também, em suas pregações e ao longo de sua trajetória, com que papel você mais se identifica, no cotidiano do mundo contemporâneo? Com o pescador, o publicano, o fariseu, o militar romano, o ladrão ou a meretriz???

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