Entre risos e suspiros de alívio, o sujeito bem se recorda daquela época em que ele tentava ingressar num dos três cursos de medicina albergados pela Universidade Federal do Ceará (UFC), sendo um na capital e dois no interior, por meio do extinto vestibular próprio daquela instituição. Por onde andava, sempre se fazia ouvir aquele mesmo mantra: "Você tem que fazer 80 pontos na redação" ou "Você tem que "fechar" a redação". Como produzir um texto técnico impecável, geralmente de caráter argumentativo e dissertativo, dentro de um tempo recorde de até 3 horas, digno de ser agraciado com a pontuação máxima, era uma missão considerada menos impossível do que conseguir acertar todas as questões abertas, subjetivas e discursivas das provas das matérias específicas, no caso, química e biologia, então os vestibulandos que queriam medicina naquela universidade tinham como meta básica atingir os 80 pontos na redação, na tentativa de se equipararem uns aos outros e de ganharem um pouco de expectativa de aprovação, na segunda fase daquele certame. Mesmo assim, como 80 pontos na redação era o mínimo esperado que o candidato fizesse, aquilo ainda não era garantia absoluta de aprovação, porque não dava vantagem alguma, frente aos outros candidatos.
Não obstante, aquele sujeito do enunciado da questão conseguiu sua aprovação, com menos de 80 pontos na redação, mas para um dos cursos de medicina da sua universidade no interior do Estado, o que não necessariamente deveria abalar sua autoestima e não necessariamente significaria que ele viria a ser considerado um profissional tecnicamente inferior. Muito antes de conhecer a glória, o mesmo sujeito em questão se lembra de quando se inscreveu e fez a primeira edição da prova do ENEM, há mais de 25 anos, mais por uma curiosidade e para fins de treinamento para os vestibulares, também a fim de conhecer aquilo que prometia revolucionar e ser o futuro da educação no Brasil. Ele teve um desempenho medíocre, mas como aquilo não teve peso algum, nem acrescentou nem subtraiu.
A evolução das notas do ENEM, principalmente na parte da redação, ao longo dos seus 25 anos, com seus altos e baixos, é condizente com os aumentos da complexidade do nível das questões, da estruturação da aplicação das provas e da rigorosidade das correções das provas (com a introdução da Teoria de Resposta ao Item (TRI), preconizando pontuações maiores para aquelas questões objetivas consideradas mais difíceis e com menos acertos), principalmente da redação. Se você nos permitir tentar traçar um paralelo entre aquela realidade de quem prestou os tradicionais concursos vestibulares para a UFC, há duas décadas, e a realidade de quem fez as provas do ENEM, recentemente, se você tiver um mínimo de conhecimento do que é fazer algumas das provas mencionadas e tiver uma mínima ideia do que é estar naquelas situações, ou seja, se você se permitir ter um pouco de empatia por aqueles candidatos de ambas as épocas, mesmo que não tenha tomado parte em nenhum daqueles contextos (lembrando que, se você tiver filhos, logo mais você deve entrar na roda também), inevitavelmente, você deve concluir que a prova de redação do ENEM é muito mais difícil que a prova de redação de um vestibular comum de qualquer universidade.
Como foi dito acima, muitos dos aspirantes aos cursos de medicina conseguiam "fechar" os 80 pontos na redação do vestibular convencional da UFC, por exemplo. A prova de redação era aplicada em um dia exclusivo para ela. O candidato dispunha de 3 horas para se preocupar somente com a redação. Como foi dito em postagem anterior, contaram-se em poucas dezenas o número de candidatos que atingiram pontuação máxima na redação do ENEM, mas aqueles que conseguiram, certamente, abriram ampla vantagem, frente aos concorrentes. Esse tipo de façanha parece ser mais difícil de realizar no ENEM do que noutros concursos, dentre outras razões, porque a prova de redação é aplicada juntamente com as questões objetivas de matérias como, por exemplo, língua portuguesa, língua estrangeira, história e geografia, sendo que algumas daquelas questões têm enunciados muito maiores do que as respostas certas. O desgaste do candidato já começa aí, e ele dispõe de apenas 5 horas, para redigir e transcrever a redação, na folha definitiva, e responder às questões objetivas e marcar o gabarito de cada uma delas, na folha de resposta, não necessariamente nessa ordem, tudo isso no mesmo dia.
Não somos experts em educação. Não temos muita propriedade, muito menos autoridade, para opinar sobre o assunto, portanto, mas, dependendo do que estiver em jogo e de quais sejam os reais objetivos daquelas provas, talvez esse paradigma de avaliação precise ser repensado novamente, à longo prazo.
Observe que, neste blog, embora não nos preocupemos em escrever nossas postagens com o mesmo rigor com que deveríamos fazer uma prova de redação, procuramos empregar nossos melhores conhecimentos do idioma para redigir com espaço para a criatividade e para o enriquecimento vocabular, sem fugir dos limites do bom senso.
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