São dias cinzentos, principalmente pela cor predominante nos céus. Não poderia ser diferente, neste começo de ano, durante a quadra chuvosa nordestina, principalmente no período da Quaresma. Há dias de muitas chuvas, que deveriam trazer muitas bênçãos e levar embora muito dos nossos problemas, junto com as suas enxurradas, mas acabam trazendo outros tantos. O que sobra de água sobre nossas cabeças e sob nossos pés pode vir a faltar em nossas torneiras, por exemplo. Há aqueles dias em que, como já se deve ter dito, você até acorda e consegue sair de casa mais disposto, mais animado, e mais otimista para enfrentar a vida, mas, ao mesmo, também mais irritadiço e impaciente com tudo ao redor, por ter a sensação de que, enquanto você está acelerado e produtivo, por vezes, acelerado até demais, ao ponto de quase atropelar as palavras e atropelar tudo e todos, mas tudo parece emperrado, à sua frente, e as coisas não vão dando muito certo.
O trânsito lento demais não ajuda. É como se TODOS os donos de automóveis da cidade tivessem resolvido tirar seus carros da garagem, ao mesmo tempo, para que as águas da chuva os lavem de graça, além de ter lubrificado os pneus com cola, para que eles não derrapem, no asfalto liso e molhado. E os carros desfilam devagar pelas ruas, deixando os sinais ficarem verde, amarelo e vermelho, por diversos ciclos, enquanto seus ocupantes vão passando e se maravilhando com a paisagem verde que vai brotando do chão, em alguns lugares, e com o arco íris que se forma nos céus também, às vezes. A internet lenta demais também atrapalha. Os aplicativos e as páginas demoram demais a abrir e a processar as informações. Mensagens demoram demais a ir e a vir. Ligações telefônicas demoram a completar ou, simplesmente, não se completam, como acontecia muito, no início do século passado. Quando se completam, ou elas "caem" ou "cortam" ou "chiam". Deve ser por isso também que, às vezes, é como se você falasse e ninguém lhe ouvisse ou não quisesse lhe ouvir. Filas em bancos e em supermercados, por exemplo, tendem também a se tornar mais longas e mais lentas.
Depois que sua vida chega a um determinado patamar, adquirindo um certo ritmo e imprimindo uma dada velocidade, dificilmente você aceitaria recuar um pouco ou descer um nível em seu padrão de vida e voltar a viver como vivia, há algumas décadas, por exemplo, dependendo da idade que tiver. Dificilmente, os jovens de hoje aceitariam passar a viver, de uma hora para outra, com os recursos e parafernálias com que as pessoas viviam, na época em que eles nasceram. Se até para os adultos está difícil viver, com a qualidade de internet de que dispomos no Brasil, atualmente, imagine se voltássemos àquela internet rudimentar de 25 anos atrás, por exemplo, que ainda passava por cabos de linhas telefônicas comuns, com transmissão relativamente cara e limitada de dados, além de conexão barulhenta.
Mesmo em dias de chuva torrencial, por mais caótico que o clima esteja, nossos fardos nunca nos dão folga. Pelo contrário, em vez de podermos nos permitir diminuir nossos ritmos de trabalho e descansarmos um pouco, em dias assim, parece que nossos fardos ficam mais pesados ainda. O mundo ao redor pode estar lento, mas as ideias e as demandas não param de lhe bombardear, como bolas de tênis ou de beisebol. Como diz aquela música, você precisa de adaptar ao ritmo de uma música e "anote tudo que puder", pois "detalhes fazem toda a diferença".
Seus piores problemas são capazes de ir até os confins dos infernos atrás de você, sob as piores condições climáticas possíveis. Nenhuma enchente, por exemplo, parece capaz de detê-los. Lembre-se de que a Pandemia ainda conseguiu neutralizar temporariamente alguns dos maiores problemas da humanidade, principalmente problemas ligados às relações interpessoais e ao convívio forçado entre pessoas em sociedade, mas eles acabaram sempre voltando, e com força maior. Como diriam antigos ditados, "o mal sempre vem" e “o inferno são os outros”. A vida tem sido uma guerra, quase todos os dias, na verdade. Umas vezes contra os nossos próprios semelhantes. Outras vezes contra si mesmo.
Perceba que os dias ficando cada vez mais difíceis. Dias de trevas vêm, em nossas vidas, mesmo nos dias de sol à pino, às vezes. E você começa a se dar conta, aos poucos, de que algo na sua rotina precisa ser mudado. São muitos planos e muitos caminhos a seguir. É preciso definir prioridades. Algumas coisas até podem e devem ser procrastinadas mesmo, na esperança de que um cavalo branco passe por aqui de novo ou que uma estrela cadente rasgue o céu novamente, um dia. Pelo menos, veja pelo lado bom, só assim, num dia conturbado de chuvas como hoje, você pode se permitir ter tempo para se banhar um pouco na chuva e ver a vida lá fora. Espera-se que, ao final deste dia, boa parte de suas conclusões esteja equivocada.
XXXXX
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