Como eu já devo ter desabafado aqui, há algumas garrafadas atrás, há tempos que me sinto instado a sentar e a refletir sobre a minha prática médica, especialmente depois que li e assisti ao clássico “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson. Calma, não tire conclusões precipitadas. Não quero dizer com isso que eu seja necessariamente um monstro. Sou médico, cristão e ser humano, acima de tudo. Para explicar o que esse livro ou filme tem a ver comigo, levaria mais que uma postagem, porque uma reflexão sempre puxa outra, como sempre acontece, quando escrevo. Fica aqui o mote lançado no título, e prefiro deixar a explanação para a próxima postagem.
Por enquanto, deixo aqui como um aperitivo uma rápida reflexão. Foi com surpresa e alegria que fiquei sabendo que o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que será lançada nesta quarta-feira de cinzas, é “Fraternidade e saúde pública”. Isto também se constitui em mais um motivo para chamada à análise do meu ofício taumaturgo.
Por vezes eu me pergunto se realmente eu tenho empregado meu potencial da melhor maneira possível para prover incremento da qualidade de vida daquelas pessoas que passam por mim e, por tabela, de toda a comunidade. Me pergunto se eu não deveria trabalhar mais, para que os efeitos de minha terapêutica tivessem uma amplitude maior, em uma área de cobertura maior e, assim, eu pudesse fazer a diferença. Me pergunto também se eu tenho sido justo, se eu tenho me mantido fiel aos meus princípios e tratado com igualdade meus pares, nos mais diversos cenários de trabalho. Se isto me serve de consolo, nenhum deles passa por mim despercebido. Caso contrário, eu não estaria aqui dedicando uma parte do tempo a fazer essas conjecturas.
Exemplifico aqui meus pensamentos com um comentário que eu postei, em uma rede social, quando os professores da rede pública estadual estavam em greve e o governador disse que eles não deviam trabalhar para receber salário, mas, sim, apenas por amor:
“A frase dita recentemente pelo governador, em crítica à greve de professores, me fez pensar na minha condição. Como médico, apesar de minha renda ser um pouco maior que as de muitos brasileiros, só estou conseguindo pagar minhas contas e manter um padrão de vida razoável porque estou em começo de carreira, precisando exercer a medicina em excesso, mais por razões de sobrevivência que por amor. Espero que, num futuro não muito distante, esta situação se inverta, e que eu não precise mais trabalhar fora do horário comercial, nem nos finais de semana, nem nos feriados. E, se eu ainda trabalhar esporadicamente em horas extras, que eu não dependa mais dos pagamentos dessas horas extras para sobreviver, que seja de fato por amor e por caridade.”
Explicarei melhor este comentário em outro momento. Por hora, quero convidar você que é profissional da saúde a fazer a si mesmo aquelas mesmas perguntas que eu dirigi a mim mesmo. Aproveito e pergunto mais uma vez a você e a qualquer pessoa que passar por aqui: o que nós podemos fazer para salvar o mundo, ou pelo menos uma parte dele, representada nas pessoas carentes de cuidados médicos em nossa terra.
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