Como foi dito na última postagem, os autores das questões das provas da SURCE pretendiam testar a desenvoltura dos médicos, em situações teórico-práticas do cotidiano da profissão, nos diversos ambientes de trabalho possíveis. Esta abordagem, teoricamente, teria favorecido os mais experientes, em detrimento dos recém-formados. Além disso, outro ponto a ser observado é que não importa se a prova é fácil ou difícil, alguém sempre tem que ficar de fora, pois o objetivo é, justamente, selecionar alguns supostamente melhores que a maioria.
Sem desmerecer a graduação em medicina, mas existe uma diferença significativa entre estagiar em um determinado serviço, nas condições de interno de medicina e de médico. São visões diferentes, níveis de responsabilidades diferentes e contextos diferentes. Um médico recém-formado percebe, nitidamente, as discrepâncias entre o ambiente onde fez sua formação e o ambiente onde está trabalhando. Neste último, pode ser que ele venha a lidar com as faltas de recursos materiais e humanos, como a falta de um preceptor para orientá-lo e chancelar suas condutas, por exemplo. Além disso, existem certas nuanças da prática médica que só são aprendidas de verdade após a formatura. Eu, por exemplo, aprendi a prescrever alguns antibióticos e antiparasitários depois que comecei a trabalhar.
Imagino que aquelas provas tenham deixado muitos candidatos com as sensações de baixa autoestima e de inutilidade. Eu, que não fiz aquelas provas, já me questiono, muitas vezes, sobre minhas aptidões e limitações, no contexto da profissão, e estou longe de me considerar um médico completo, imagine se eu as tivesse feito. Quiçá eu não esteja sozinho, com esses conflitos.
Aqui se apresenta uma das mazelas da formação médica no Brasil. Dizem por aí que ela é deficitária e que, assim, muitos jovens saem das escolas médicas mal avaliados e mal preparados para o mercado de trabalho, pondo em risco as vidas dos pacientes com os quais se deparam, em suas trajetórias. Por isso, há quem defenda exames de ordem, como o que vem sendo aplicado pelo CREMESP, há alguns anos. A partir dos resultados deste exame, que tem sido considerados ruins, inferem que todos os médicos recém-formados do Estado de São Paulo estão despreparados.
Olha, o fato de o sujeito acertar menos questões numa prova de residência ou num exame de ordem não quer dizer que, necessariamente, ele seria um mau médico. O desempenho de alguém que faz uma prova qualquer é determinado por múltiplos fatores, inclusive, mas não sendo o principal, o conhecimento. Acredito que muitos colegas de profissão do meio em que vivo também não seriam bem sucedidos nas provas supracitadas. Admito que, por vezes, chegam ao meu conhecimento histórias de colegas que teriam cometido erros grosseiros, nos âmbitos técnico-científico e ético, mas são exceções. Não é justo, portanto, generalizar aquelas histórias para os mais de dez mil médicos em atividade no Ceará. Além disso, como diz o adágio popular, quem não tem teto de vidro, atire a primeira pedra.
Posso não ser perfeito, posso ser um médico incompleto, dentre os mais bobos da face da Terra, mas, até hoje, tenho a consciência tranquila, por não haver cometido erros grosseiros, como deixar passar batidos casos de dor torácica e de abdome agudo, por exemplo. Nestes casos, já sei o que fazer. Do mesmo modo, estou tranquilo, porque, embora não tenha sido um dos melhores alunos de minha escola médica, não me lembro de ter oferecido motivos para que os lentes da minha faculdade se arrependessem de terem me permitido seguir adiante e me ajudado na caminhada, mesmo guardando parcialmente seus ensinamentos, e sentissem vergonha de mim.
Certa vez, me disseram que eu seria vaiado, na colação de grau. Aquilo mexeu comigo, e, até hoje, me pergunto o porquê daquela sentença e se, realmente, fiz por onde merecer a colação de grau. De qualquer maneira, sucedeu-se o contrário do previsto, fui o mais aplaudido, até porque fui o último a subir ao palco e me dirigir ao reitor para receber o grau, após doze anos de cabeçadas na vida, peregrinando de um curso universitário para outro. Aos 29 anos, era o quarto formando mais idoso da turma. Não pense que foi fácil me desligar da faculdade. Saí de lá, e depois, de Sobral, olhando para trás e me perguntando se não estava esquecendo alguma coisa. Noutra oportunidade, contarei mais histórias dos tempos de faculdade.
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