Dando continuidade às minhas reflexões sobre meu ofício, continuo a desnudar uma parte de meu ser, retirando, pelo menos por um instante, esta pesada máscara que a sociedade prefere que eu use, perante ela, não apenas em serviço. Assim, todos saberão que aqui, por trás desta máscara, também bate um coração humano, que também sofre, e também há uma mente inquieta, que também sofre.
Médicos e artistas da TV e do cinema têm algo em comum: são bastante perseguidos e assediados por autógrafos, o dia todo, todos os dias. Só não somos tão perseguidos por paparazzos.
A única coisa que um médico (com "m" minúsculo), que está começando sua carreira e está cursando uma residência médica, tem em comum com um Médico (com "m" maiúsculo mesmo), que já é tarimbado e tem a tarefa de conduzir os médicos, o vulgo staff, é o direito de carimbar e de assinar receitas, atestados e outros documentos relacionados com o ofício médico, além de ter um pouco do mesmo conhecimento. Este tem sido o principal status em comum entre o médico e o Médico. Aprofundar-me-ei nas diferenças entre esses dois seres, noutra oportunidade.
Por enquanto, posso adiantar que isto tem contribuído para transformar o médico em um bode expiatório, para alguns pacientes, para seus familiares, para outros profissionais da saúde, para outros funcionários dos serviços de saúde e até para outros médicos e Médicos. É em busca do médico, em primeiro lugar, que, em geral, as pessoas vão, e não do Médico, que, por vezes, fica mais na função burocrática de observador, à distância. Nessas ocasiões, quando lhes são incumbidas certas tarefas e cobradas certas obrigações inerentes à profissão, o médico não é mais um médico qualquer, ele agora é o médico, aquele que resolve tudo, aquele que pode e que deve tudo. Entretanto, na hora de usufruir da honra e da glória inerentes à profissão, quem somos nós??? Noutra postagem, falarei mais sobre as hierarquias internas da classe médica.
Em meus ambientes de trabalho, trato todo mundo com respeito, sem discriminação. Não me considero um ser antipático, nem soberbo. Procuro interagir, amistosamente, com as outras pessoas que fazem parte daqueles ambientes. Entretanto, algo que me intriga é o fato de que, por vezes, me parece que os outros trabalhadores da saúde, independente do nível de formação, têm uma visão distorcida dos médicos e dos Médicos. Eles parecem nos ver a todos nós como uns marajás. Devem pensar que somos ricos, porque pensam que trabalhamos pouco para receber muito.
Por isso, eles não titubeiam em tentar nos sobrecarregar com mais trabalho, na medida de suas possibilidades, vivendo sempre atrás de nós, nos pedindo favores, choramingando para que encaixemos sempre um "pacientezinho" aqui e outro ali, nas nossas agendas de atendimentos, ou até mesmo chegam a fazer tais encaixes sem nossos consentimentos, por exemplo. Por vezes, nos veem como super-heróis, na obrigação de abraçar o mundo com as pernas, tentando despejar sobre nossas cabeças quase toda a demanda do Sistema Único de Saúde, de uma só vez, maior que aquilo que podemos dar conta.
Outra coisa que me irrita é que, em alguns lugares onde trabalho, as demais pessoas que trabalham nesses lugares, mesmo que estejam de folga, me perseguem interessadas em receitas e atestados, para si e terceiros. Preferem tentar queimar etapas e pegar atalhos a procurar fazer uma consulta em um ambiente mais propício. Impressionante é que, neste começo de 2013, o CREMEC (Conselho Regional de Medicina do Ceará) já contabiliza pouco mais de quatorze mil registros de médicos, em todo o Estado do Ceará, dentre os quais, cerca de dez mil ativos, sendo em torno de oito mil registros de médicos atuando, só em Fortaleza, e ainda tem gente que acha que só existe um médico, nesta Capital.
Pobres daqueles que acham que sou o único médico da cidade. Mal sabem que estou longe de ser um médico completo. Me considero carente de muitos conhecimentos técnicos requeridos para um generalista. Não obstante, procuro ajudar aqueles que me procuram, dentro de minhas possibilidades. Depois conversamos mais a respeito disso.
Uma desvantagem de enveredarmos por uma especialidade médica é que desaprendemos certas coisas. Com o tempo, enquanto evoluímos em uma especialidade, como a psiquiatria, por exemplo, nos tornamos menos capazes de fazer certas coisas e de atuarmos em certos ambientes, como fazíamos, logo após nos formarmos, como fazer uma sutura e atuar em clínica geral na atenção primária ou em um pronto-socorro geral, por exemplo. Até porque, rotineiramente, perdemos muito do contato com aquele tipo de ambiente e deixamos de lidar com certas situações, como uma parada cardiorrespiratória, por exemplo. Da minha parte, tento compensar meus prejuízos, me atualizando e lendo alguma coisa, sobre aqueles assuntos acima mencionados, na medida do possível. Se por um lado perdemos, por outro ganhamos. Doravante, temos a obrigação de dar o nosso melhor, trabalhando naquilo que melhor sabemos fazer e naquela especialidade em que escolhemos fazer o nosso metiê.
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