A messe é abundante, mas os operários, pouco numerosos; pedi, pois, ao dono da messe que mande operários para a sua messe.
Mateus 9, 37-38
Antes de qualquer coisa, quero reiterar que ninguém aqui está fazendo corpo mole para o trabalho. Compreendo que a população está bastante carente de atenção médica, consequentemente, a demanda por nossos serviços é consideravelmente expandida. No entanto, a população e o restante do corpo de funcionários das instituições hospitalares e ambulatoriais precisam entender que nossa capacidade de dar vencimento à essa demanda é limitada.
Você deve ter ouvido falar daquela gigantesca fila no entorno do INTO (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), no Rio de Janeiro, há alguns meses, onde o Jansen, um velho companheiro da faculdade, está cursando sua residência. Centenas de pessoas esperavam conseguir marcar consultas para a primeira metade de 2013. Muitas não conseguiram. Este é um sinal comprobatório de que há uma grande sobrecarga nos serviços hospitalares e ambulatoriais de saúde, por causa de infraestrutura inadequada e de mão-de-obra insuficiente para atender àquela demanda. Então, mesmo com esta situação bem evidente, por que, então, submeteram aquelas pessoas à uma situação daquelas???
Não posso falar pelo referido hospital, porque não o conheço, nunca estive lá, mas, pela minha experiência, não apenas em residência médica, mas pela minha trajetória acadêmica, desde o começo da faculdade, venho notando que, em muitos hospitais de ensino, ou, pelo menos, em setores deles, tem havido uma preocupação maior com a quantidade de pacientes atendidos diariamente do que com a qualidade dos atendimentos.
Os hospitais de ensino, geralmente, são centros de formação de profissionais de níveis médio e superior para a área de saúde e são centros médicos de referência, para onde, teoricamente, deveriam ser encaminhados apenas os casos que não pudessem ser solucionados e acompanhados em outros serviços de saúde, além de casos selecionados, por apresentar alguma peculiaridade que despertasse um interesse científico e didático maior, propiciando uma contribuição adicional na formação dos novos profissionais. Entretanto, devido à crescente e incontrolável demanda e ao fato de os serviços de saúde que trabalham para o SUS funcionarem, em geral, de maneira precária, então, os hospitais de ensino se veem obrigados à abrirem suas portas e deixarem entrar todos aqueles pacientes que requeiram, potencialmente, algum serviço oferecido por esses hospitais, sem seletividade alguma. Até aí, tudo bem, porque, se o povo precisa da ajuda desses hospitais, então, essa ajuda não pode ser negada.
Os hospitais de ensino deveriam exercer, basicamente, as atividades de ensino, pesquisa e extensão, em parceria com os cursos universitários da área de saúde, além de assistência à comunidade, que paga impostos para manter em funcionamento as instituições. O problema é que, devido às necessidades do meio, no momento, a assistência tem sido consideravelmente privilegiada, em detrimento das outras atividades, o que, de certa forma, prejudica a formação profissional, porque gera estresse para aqueles que atuam nesses ambientes, por não conseguirem lidar com tanta sobrecarga de trabalho.
Precisamos primar pela qualidade do atendimento, em vez da quantidade de pessoas atendidas, porque também somos humanos, não somos máquinas. Ainda que trabalhássemos 24h por dia e 7 dias por semana, não conseguiríamos dar conta de tudo, haja vista que, além de esta demanda continuar crescendo constantemente, ela também nunca está plenamente satisfeita com os serviços prestados. Então, infelizmente, o fluxo de pacientes novos admitidos nos serviços médicos precisa ser controlado, na medida do possível, antes que esses serviços entrem em colapsos.
Obviamente, não é possível fazer esse controle de fluxo, em serviços de emergências, devido às naturezas dos casos que por lá desembarcam, pois, como já devo ter dito aqui antes, esses ambientes são como aquelas cidades que estão sempre sujeitas às intempéries da natureza, catástrofes que, por vezes, são imprevisíveis, e, quando são previsíveis, não há o que fazer para impedi-las, devendo a população local apenas se preparar, estocando alimentos e água potável, se refugiando em abrigos subterrâneos ou, até mesmo, evacuando a região, em último caso, mas existe a possibilidade de se fazer uma triagem entre os pacientes que realmente precisam estar lá e aqueles que poderiam ter seus problemas resolvidos em ambientes mais amenos.
Nosso ofício tem sido, então, praticamente o de enxugar gelo. Nosso ofício, teoricamente, deveria ser de grande utilidade pública. Da minha parte, tenho sido o mais solícito possível e tenho feito o possível para me mostrar útil à comunidade e fazer a diferença junto à ela, mas, tanto esforço, por vezes, tem parecido inútil.
Apesar das mazelas com que nos deparamos, em nosso ofício médico, como a falta dos devidos respeito, reconhecimento e compensação, por parte da sociedade, do poder público e, até mesmo, dos nossos pares, por exemplo, encerro esta postagem, desejando sucesso aos companheiros que se submeterão à prova do SURCE (Seleção Unificada para Residência Médica do Estado do Ceará), neste domingo, dia 20 de janeiro.
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