E, mais uma vez, o mês de abril se abriu e se fechou outra vez, levando embora suas águas escassas, entrando para a história, com seus segredos trancados à sete chaves, sem que tivéssemos tempo de conversar sobre um filme que vimos, há mais de um ano, e do qual nos recordamos agora: o longa metragem brasileiro Abril Despedaçado.
Gravado em 2001, no sertão da Bahia, a adaptação do livro homônimo do escritor albanês Ismail Kadaré aborda uma disputa por terras entre duas famílias, no início do século XX, em algum lugar do sertão nordestino, que resultou em diversas mortes, em ambos os lados.
Essa desavença entre famílias parece um jogo de tabuleiro. Toda vez que um membro de uma das famílias é assassinado, um membro da outra família, o responsável pelo primeiro assassinato, geralmente, precisa também ser assassinado, para que a morte do primeiro seja vingada. Mas este que vingou aquela primeira morte também fica marcado e precisa estar à disposição, para oferecer sua vida em sacrifício, quando a outra família vier vingar a morte de quem ele matou.
Então, o jogo de caça e caçador sempre recomeça, findo o luto de cada morte. Luto este que é delimitado pela alteração da mancha de sangue na camisa que o morto vestia, ao ser executado. A camisa é deixada em um varal, ao ar livre, até que a mancha de sangue passe de vermelha à amarela. E assim, vai se seguindo o jogo do "olho por olho e dente por dente", e, como dizia Gandhi, desse jeito, a humanidade acabará cega e banguela.
Falando em cegueira, há um momento em que um dos protagonistas, o Menino, que também é chamado por Pacu, o narrador da história, diz que "em terra de cego, quem tem um olho é doido". Ele certamente quis dizer que, quando alguém age com sensatez e com bom senso, num ambiente onde ninguém mais age assim, é visto como louco. Esta linha de raciocínio nos remete ao conto O Alienista, de Machado de Assis, no qual o protagonista, um psiquiatra de uma vila no Brasil colonial, visando estabelecer as diferenças entre o que deve ser considerado normal e o que deve ser considerado doença mental, realiza experiências científicas extravagantes, arriscadas, incômodas e comprometedoras para a comunidade, sobre as quais conversaremos mais detidamente em momento mais oportuno.
O Menino e seu irmão Tonho (Rodrigo Santoro) destacam-se porque fazem a diferença, naquele meio, tendendo a quebrar o círculo vicioso daquele jogo de caça e caçador entre gato e rato e das tradições rurais e patriarcais do sertão. Um círculo vicioso representado pela bolandeira à qual estão presos os protagonistas e seus familiares, juntamente com seus bois. E todos precisam se mover, para fazer a bolandeira girar e moer a cana de açúcar, da qual depende a sobrevivência da família Breves. Por isso, o Menino sentencia: “A gente parece boi. Roda, roda, roda e não sai do canto”. Assim, pode-se ver o futuro repetindo o passado, num museu de grandes novidades, e o tempo não para, como diz aquela canção de Cazuza, uma das últimas que ele gravou, e a bolandeira também não para.
Outro fato interessante a ser observado é que a família Breves tem um nome bastante sugestivo para uma família cujos membros tiveram existências breves, sobre a face da Terra.
Em alguns momentos do filme, o Menino é visto lendo um livro que conta uma história que menciona uma sereia que avança para águas mais profundas, convidando o leitor a acompanhá-la. É mais ou menos isso que Tonho faz, quando foge de casa, procurando conhecer um pouco da vida do lado de fora, pegando carona com um circo que passa por sua comunidade, antes de voltar e enfrentar o seu destino.
Se você tiver a oportunidade de conferir este filme, chegará à algumas conclusões, tais como a de que o amor também liberta. Lembrar-se-á também do refrão de uma antiga canção católica: "Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão", depois de observar que tamanhas eram a cumplicidade e a fraternidade entre os irmãos Breves.
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