No final da tarde do último dia de 2021, o sujeito resolveu passear com esposa e filhos, naquela parte da orla marítima de Fortaleza que é considerada "área nobre". Quando encostou o carro no portão de um estacionamento onde se acostumou a guardar o carro, sempre que ia correr num calçadão, pagando uma taxa única de 15 reais, independentemente do tempo transcorrido, o responsável pelo lugar veio lhe dizer: "Doutor, hoje vai ser 40 reais, até 7 da manhã". O sujeito engatou logo a ré, se despediu e voltou para casa com a turma e com o rabo entre as pernas, como se diz popularmente, arrependido de haver saído de casa e relembrando aquele famoso bordão de 2020: #fiqueemcasa.
A despeito do oportunismo de muitos comerciantes, em grandes feriados, principalmente nas festas de final da ano, que tentam se aproveitar de quem chega em busca de seus serviços, com os preços mais absurdos possíveis, como se os clientes fossem turistas estrangeiros, mesmo morando na mesma cidade, veja você que, devido ao recrudescimento dos casos de COVID-19 associados com outras síndromes respiratórias, que voltaram a abarrotar as salas de emergências dos hospitais públicos e privados de Fortaleza, tudo caminha para outro retrocesso nas reaberturas das vidas econômica, social e cultural, tal como aconteceu em 2020 e em 2021, culminando num possível novo lockdown. Neste ano, como no ano passado, não teremos novamente feriadão de Carnaval, pelo menos não no Estado do Ceará. Teremos novas restrições de público, em eventos sociais e culturais, quando acreditávamos erroneamente que, com as vacinas, tudo já estaria superado. Nós, brasileiros, ainda podemos nos considerar privilegiados. Nos Estados Unidos e em países da União Europeia, a COVID-19 voltou a crescer e assustar mais ainda.
Pelo menos se espera que, se vierem mesmo as medidas de restrição para forçar as pessoas a saírem menos de suas casas, tudo isso nos propicie uma reflexão maior sobre o que é estar em casa e sobre o que está acontecendo nas nossas famílias. Independentemente da época do ano ser festiva ou não, você diz que não aguenta mais ficar em sua casa e que não aguenta mais o convívio com sua família, enquanto muitos gostariam de ter o que você não tem, principalmente quando se tem uma visão distorcida da realidade, que o leva a delegar as responsabilidades de sua vida, como a tomada de decisões, por exemplo, a terceiros. Ora você se comporta como se fosse um morcego ou como um vampiro, que não aguenta ver a luz do dia ou o raiar de um novo tempo, preferindo se recolher à insignificância de sua zona de conforto na escuridão. Ora você se comporta como um lobisomem, passando a maior parte dos dias bem, transitando tranquilamente no meio da sociedade, mas não pode ver a lua cheia, que já começa a perder o controle e o rumo, mas o principal desejo não se perde: a busca por uma colônia de férias ou por um orfanato. Ou seja, você paga, ou alguém paga por você, para que você acredite ter o direito de se deixar cair de costas ou de cabeça, em queda livre, como a se atirar numa piscina, e exigindo que alguém esteja posicionado para aparar a sua queda com as mãos, como naquela clássica passagem do Evangelho, quando Jesus Cristo foi tentado por seu maior rival, logo após os 40 dias de jejum e de oração num deserto, momento em que, teoricamente, Ele estaria mais fraco e suscetível. Então, o inimigo lhe propôs que Ele se jogasse do alto de um edifício, para que viessem anjos ampará-lo em Sua queda. Ao que Ele rebateu: "Não tentarás o Senhor teu Deus" (Mateus 4, 1-25).
Enfim, esperamos que, ao longo deste novo ano, que já tem cara de velho, você consiga se encontrar e encontrar um lugar para chamar de seu. Um lugar onde você possa se sentir acolhido, seguro e confortável e onde possa permanecer com folga, por longos dias, sem gerar maiores ônus para si ou para seus pares. Um lugar onde você não seja um mero hóspede, mas sim um morador ou até mesmo proprietário, se possível, mas não para viver de aluguel, e sim em imóvel de casa própria.
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