Definidos os rumos políticos da maioria dos municípios brasileiros para os próximos quatro anos, se você está em clima de lua-de-mel, porque seus candidatos aos cargos de prefeito e de vereador venceram, sinta-se à vontade, curta esse momento como se estivesse no olho de um furacão, em um clima de passagem de plantão médico (o prefeito eleito de Fortaleza é médico e já manifestou interesse em procurar a gestão atual para organizar a transição de governo, como quem recebe um plantão hospitalar), quando o pronto-socorro parece parar, um clima que deve durar o restante do ano.
Entretanto, peço a você apenas uma coisa: não permita que essa euforia deixe você totalmente ébrio(a) para a realidade. Precisamos voltar a pensar nos problemas do nosso cotidiano. Não é porque algumas administrações foram renovadas que nossos problemas serão resolvidos, da noite para o dia. Enquanto isso, a violência está dominando São Paulo, há quase uma semana, como nunca se viu antes.
Então, é preciso que voltemos ao trabalho e que tomemos alguma atitude para ontem. Não dá para esperar as posses das novas gestões, em 1º de janeiro próximo. Precisamos continuar salvando o mundo, ou pelo menos uma parte dele, antes de 21 de dezembro próximo.
Voltemos agora nossos olhares para o Norte, pois a definição das eleições presidenciais nos Estados Unidos, marcadas para o próximo dia 6 de novembro, data que não será um feriado nacional, porque os cidadãos norte-americanos não são obrigados a votar, terá repercussões internacionais, inclusive para os brasileiros.
Como já havia escrito, há quatro anos, lá no Consciência Acadêmica, seria mais interessante para os brasileiros torcer pela vitória de Barack Obama, ontem e hoje. Ele é membro do Partido Democrata, o que há de mais parecido com a esquerda liberal por lá. Embora os democratas americanos não sejam tão liberais quanto parecem, historicamente, os presidentes democratas daquele país, como Obama e Clinton, por exemplo, sempre governaram de maneira mais polida, mais aberta, mais conciliadora e mais diplomática. Na política externa, eles não costumavam ser tão truculentos como os presidentes da família Bush, por exemplo, que eram republicanos e que ordenaram as invasões do Iraque, em suas gestões.
Obama mostrou-se bem mais amigável, nas relações diplomáticas internacionais, em comparação com seus antecessores. Tanto é que ele se mostrou disposto a abrir as portas de seu país aos brasileiros, baixando medidas para facilitar a emissão de vistos para turistas brasileiros e chegou a assinar um acordo com nosso governo, com a intenção de extinguir, à médio prazo, a necessidade de vistos para cidadãos dos dois países transitarem, de um lado para o outro. Dois amigos meus, por exemplo, foram beneficiados com essas medidas. Somente este ano, eles viajaram aos States duas vezes. Nem por isso, brasileiros deixam de passar vexame, ao tentarem entrar na "América". Por isso, um articulista da revista Veja escreveu um artigo esclarecendo que o brasileiro não é obrigado a se submeter a esse tipo de situação. Ao invés disso, o brasileiro deve trabalhar, honrar seus compromissos, encontrar maneiras inteligentes de investir seus recursos e de se divertir, deixar a vaidade e a mediocridade de lado e não procurar mais sarna para se coçar. Como o jornalista mesmo escreve, "é só não ir". Quem tem bom senso só deve frequentar lugares onde sabe que será sempre bem-vindo.
A posse de Obama em seu cargo, em janeiro de 2009, representou para os americanos mais ou menos o mesmo que representou para nós a posse de Lula, em janeiro de 2003. Representou esperança e renovação. Hoje, a imagem de Obama está desgastada. Ele tornou-se impopular, para a maioria dos olhos de seus compatriotas. Quiçá, por conta da abertura ao diálogo com outros países e da abertura do país aos estrangeiros, em um momento delicado para uma nação que está em crise econômica. Quiçá também por não ter conseguido lidar a contento com essa crise. Quiçá também por não ter conseguido ainda implantar um sistema de saúde com cobertura universal para toda a população que fosse aprovado por unanimidade.
Lá, eles não têm a mesma visão do nosso SUS, que é pautado nos princípios de universalidade, igualdade e equidade. Aqui, qualquer cidadão, independente de classe social, idade, religião, visão política, orientação sexual, entre outras variáveis, tem o direito de ser atendido gratuitamente em qualquer serviço público de saúde. Lá, esse direito é reservado apenas aos mais pobres e aos idosos. Quem não é coberto pelo Medicaid ou pelo Medicare, excetuando-se os casos de urgências ou de emergências, se vê obrigado a custear seu tratamento médico. A reforma proposta por Obama pretende obrigar o restante da população a contratar um plano de saúde. Cá para nós, se não tomarmos uma providência para salvarmos o nosso SUS, acabaremos seguindo o mesmo caminho dos americanos. Depois conversamos mais sobre isso.
O que acho estranho é que nosso novo prefeito fez seu mestrado e seu doutorado em saúde pública justamente nos Estados Unidos, e tem sido extremamente bajulado por conta disso. Se ele tivesse feito essas pós-graduações no Canadá, que é, por excelência, uma referência mundial em saúde pública, tiraria meu chapéu para ele. Poderá ele nos trazer o que supostamente aprendeu em matéria de saúde pública nos EUA e adaptar à nossa realidade??? Depois conversamos mais sobre isso.
As eleições presidenciais nos EUA são bem peculiares, e bem confusas também, se comparadas com as nossas. Lá, o voto ainda é sufragado em cédulas de papel depositadas em urnas. A urna eletrônica ainda não chegou por lá. A contagem dos votos é distrital, ou seja, cada Estado americano tem um número de colegiados eleitorais proporcional ao tamanho da população de cada Estado. Esses colegiados votam automaticamente no candidato mais votado pelos eleitores do Estado. É mais ou menos como se o voto fosse por Estado, e não por eleitores. E os votos de cada um dos 50 Estados ianques têm valores diferenciados. Os votos dos Estados mais populosos, como a Califórnia, por exemplo, têm pesos maiores. Então, se você fizer as contas, verá que é possível que um candidato seja eleito, mesmo sem contar com a maioria dos votos dos eleitores e dos colegiados. Basta que ele seja o mais votado, nos Estados cujos votos têm maior peso. Ainda tem gente querendo trazer essa ideia para o Brasil. Queira Deus que não vingue.
Outra peculiaridade, como já foi dito, é que o voto é facultativo para o cidadão. Nota-se que a disputa eleitoral é bem polarizada. Lá não há o pluripartidarismo que temos cá. Não sei se isto é bom ou se é ruim. O que falta para os americanos de opções partidárias, para nós há de sobra, mas temos múltiplas opções vazias, siglas muito parecidas, sem ideologias definidas, correligionários adotando práticas que não correspondem aos princípios nem aos nomes das legendas. Aqui, fundam-se mais partidos políticos que templos de igrejas evangélicas. Virou salada de frutas. Muita coisa parece mas não é.
Tem mais: quando consideramos o Partido Democrata como esquerda liberal e o Partido Republicano como direita conservadora, isto são apenas referenciais aproximados. Não há necessariamente identificações daqueles partidos com aquelas respectivas orientações políticas. Lá, como você já deve ter notado, o contexto político é bem diferente do nosso. Não dá para pensar aqueles partidos no Brasil. Não dá para saber quem é do bem e quem é do mal. Aquela máxima de Machado de Assis também se aplica a eles: "Nada mais conservador do que um liberal no poder e nada mais liberal do que um conservador na oposição". São as contradições da política universal. De qualquer maneira, cruzemos os dedos. Nosso futuro depende daquela decisão, acima da linha do Equador.
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