Justiça determina que pedreiro receba tratamento para câncer no RSSe reparar e pensar bem, você deve notar que existe algo errado na manchete acima, não necessariamente na forma em que foi redigida, mas no fato noticiado. Desde quando um cidadão precisa recorrer ao Poder Judiciário para conseguir ser tratado de uma enfermidade qualquer, principalmente de um câncer, e na rede pública de saúde??? Teoricamente, isso não deveria acontecer, porque a saúde é um direito de todos e um dever do Estado provê-la, segundo nossa Constituição, mas não é o que vemos, na prática.
Não se sabe ao certo de quem foi a recusa do tratamento de um tumor cerebral provavelmente terminal, em um cidadão gaúcho de quarenta e poucos anos, se foi por parte da equipe médica do hospital que o assistia ou se foi por parte do poder público, leia-se gestão do SUS, que teria se recusado a autorizar o procedimento e liberar os recursos para sua realização. É mais provável que tenha sido a segunda opção.
Sobre o caso exposto, apenas duas perguntas:
1. A equipe médica que assistiu o paciente apresentou a ele ou aos seus familiares o diagnóstico da doença, a complexidade da situação, as opções terapêuticas disponíveis e as perspectivas de resultados com o tratamento???
2. Ciente dessas informações, o paciente ou seus familiares ainda deseja se submeter ao tratamento???
Se as respostas forem afirmativas, não há mais o que discutir. A última palavra é do paciente, ou de seus familiares, se ele for incapaz. Se ele quer o tratamento, então o Estado não poderia recusá-lo.
Essa é uma das possíveis soluções e interpretações para a situação acima, mas não é uma questão fácil de ser resolvida como pode parecer. Quiçá os gestores de saúde pública e as instâncias judiciárias que julgaram primeiro o caso tenham considerado que, se por um lado, dispensando-se o merecido tratamento ao paciente e respeitando-lhe a vontade, estariam aplicando os princípios bioéticos da autonomia e da beneficência, além dos princípios de igualdade, de integralidade e de equidade do SUS, por outro lado, os possíveis ganhos com o tratamento daquele paciente para a coletividade seriam parcos ou inexistentes, e os recursos a serem investidos em seu tratamento deixariam de ser destinados com maior possibilidade de retorno para a coletividade aos tratamentos de outras doenças em outras centenas ou milhares de pessoas.
Como se vê, as questões bioéticas não são fáceis de resolver e não há um gabarito definido. É preciso pesá-las com um pouco da razão e com um pouco da emoção.
Esse caso nos remete às lembranças da lendária série de TV americana E.R., que ficou conhecida no Brasil como Plantão Médico. No final de uma das temporadas, um dos protagonistas descobre ter um tumor cerebral e se vê diante de um dilema: submeter-se a um tratamento doloroso e que pouco tempo de vida deve-lhe acrescentar ou aproveitar o restante de sua vida da maneira que melhor lhe aprouver. Ele opta pela segunda opção, larga o emprego de médico em uma sala de emergência de um hospital em Chicago e muda-se com a família para o Hawaii.
A lição que fica é que, com ou sem tratamento curativo, é possível investir para que pessoas com doenças terminais terminem seus ciclos vitais bem assistidas com conforto e qualidade, para que suas vidas sirvam como exemplos de que elas não passaram pela vida em vão. Naquele caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, mesmo que o tratamento não traga benefícios à coletividade, se ele conseguir ao menos prolongar a vida do paciente, nem que seja só por um dia, mas por tempo suficiente para que ele possa viver bem, aproveitando sua vida até a última gota, com conforto e qualidade, despedindo-se de seus parentes e da vida, fazendo-o sorrir, bem como os que estiverem próximos, o esforço não será em vão. Isso deve ser também levado em conta.
Aproveitar a vida até a última gota, especialmente quando a vida é (re)nova(da) e abundante. Isso é o que importa. Tenha um bom domingo e uma Feliz Páscoa.
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