Você já deve ter ouvido daquele clássico episódio que teve lugar durante a Última Ceia, quando Pedro disse a Jesus que estaria com Ele, para o que desse e viesse. Entretanto, Jesus advertiu-o que ele O negaria três vezes, ainda naquela mesma noite. Dito e feito. Depois que Jesus foi preso, no Monte das Oliveiras, enquanto Pedro vagava pelas ruas de Jerusalém, acompanhando à distância a trajetória de seu Mestre, ele foi abordado por pelo menos três cidadãos, em momentos diferentes, que o indagaram se ele não era um dos discípulos de Jesus, e ele negou sempre, até que os galos cantaram, por volta da meia-noite, e ele viu Jesus passando e sentiu-se profundamente envergonhado, ao recordar as palavras do Mestre.
Pois bem, o que isto tem a ver com nossas vidas??? Este episódio serve para nos mostrar que não somos seres infalíveis. Por vezes, acreditamos em algo, pensamos em algo, desejamos fazer algo, mas, talvez por falta de determinação ou de coragem, acabamos fazendo algo diferente. Este que escreve, por exemplo, passou por uma situação embaraçosa, às vésperas da Semana Santa, parecida com aquelas que contei, envolvendo um professor da faculdade que se recusou a comprar um ponto de uma rifa e um flanelinha da porta do hospital, há algumas postagens.
Aconteceu que estava dentro de uma loja, comprando não me lembro bem o quê, quando um sujeito me viu e entrou só para me pedir que lhe pagasse um almoço. Então, fiquei num dilema. Se fizesse o que me pediu, estaria dando abertura para que outros pedintes viessem e fizessem o mesmo, passando a incomodar os demais clientes da loja, o que desagradaria os vendedores que estavam de olho naquela cena. Me senti mal por não tê-lo ajudado, me valendo de várias desculpas, mas por que ele foi inventar de pedir esmola num lugar e num momento tão inconvenientes??? Com tanta gente passando pela rua, por que ele tinha de entrar na loja e vir logo atrás de mim??? Depois dizem que tenho delírios de perseguição, por me sentir, às vezes, um para-raios da humanidade. De qualquer maneira, é triste ver que Jesus nos ensinou a ajudar o próximo, dizemos que ajudamos, mas não o fazemos.
Quando me recordo das negações de Pedro, me recordo também daquele meu professor da faculdade. Não que ele fosse uma negação. Pelo contrário, era um bom mestre e tinha amplos conhecimentos. No segundo ano, ele foi um de nossos mais exigentes tutores de semiologia médica. Ele queria que explorássemos o nosso roteiro oficial de história clínica ao máximo, com cada um dos pacientes que víssemos. O exame físico, por exemplo, tinha de ser o mais completo e o mais estiloso possível. A revisão de sistemas parecia um check-list. Tínhamos de interrogar o paciente sobre todos aqueles sinais e sintomas, e, ao redigir as histórias clínicas, tínhamos de citá-los todos, estando presentes ou não, mais ou menos da seguinte maneira: "Paciente nega tosse, nega coriza, nega febre, nega vômitos, nega diarréia, nega tontura, nega cefaléia, nega dispnéia, nega dor torácica, nega dor abdominal...". É muita negação, não é verdade??? Assim, não dá para pensar positivo.
Bons tempos, aqueles da faculdade. Um amigo meu da residência disse que, se ele quisesse realmente fazer um grande bem à humanidade, voltaria para o primeiro semestre da graduação em medicina. Concordo com ele, porque sempre temos a sensação de que deixamos alguma coisa para trás.
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