"Não é, acaso, uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como os de um mercenário? Como um escravo que suspira pela sombra, e um assalariado que aguarda o pagamento, assim também tive por sorte meses de sofrimento e noites de dor me couberam por partilha. Apenas me deito, digo: ‘Quando chegará o dia?’. Logo que me levanto: ‘Quando chegará a noite?’. E até a noite me farto de angústias. Minha carne se cobre de podridão e de imundície, minha pele racha e supura. Meus dias passam mais depressa do que a lançadeira, e se desvanecem sem deixar esperança. Lembra-te de que minha vida nada mais é do que um sopro, de que meus olhos não mais verão a felicidade. O olho que me via não mais me verá, o teu me procurará, e já não existirei. A nuvem se dissipa e passa, assim quem desce à região dos mortos não subirá de novo. Não voltará mais à sua casa, sua morada não mais o reconhecerá. E por isso não reprimirei minha língua; falarei na angústia do meu espírito, farei queixa na tristeza de minha alma".
Quebrando um pouco o gelo da rotina cotidiana dos dias úteis, como hoje é domingo, observe que o trecho bíblico acima retrata uma metáfora da labuta cotidiana e da existência humana sobre a terra, de um modo geral, por meio de uma combinação de sentimentos estranha e absurdamente contraditórios. O texto dá voz a alguém que parece conviver com uma sensação de falta de dignidade para algo, de não pertencer ao lugar onde se encontra e de viver andando pela vida esbarrando nas paredes e nas colunas, aos tropeços, trancos e barrancos, como se andasse no escuro, tateando até achar um buraco por onde pudesse entrar e passar ao compartimento seguinte, assim como a costureira que tenta passar a linha pelo buraco da agulha, mas quase nunca acerta de primeira. As coisas nunca se encaixam de primeira. Sempre as peças se esbarram várias vezes, até conectar de vez e causar reação. Tudo parece mais complicado. Ou tudo está muito certo ou está muito errado. O que deveria despertar alegria pode também despertar tristeza, às vezes, na verdade.
Continua...
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