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#vaidarcerto

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A Pandemia pode ter passado, mas, onde você estiver, não se esqueça de mim.

A Pandemia pode ter passado, mas, onde você estiver, não se esqueça de mim.
Eu também não me esquecerei de você, haja o que houver.

Falando em Pandemia, ela se foi, mas o Coronavírus continua entre nós, fazendo vítimas.

Falando em Pandemia, ela se foi, mas o Coronavírus continua entre nós, fazendo vítimas.
Por isso, continuemos nos cuidando.

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sábado, 8 de novembro de 2014

Rotina de ofício




                      Outubro já se foi e não tivemos muito tempo para sentar, pensar e conversar sobre nosso ofício médico, que anda meio na berlinda, ultimamente. Aqui, publicamos uma carta que recebemos recentemente de um colega, contando sua rotina de trabalho a que se submete para sobreviver. E ainda há quem diga que "o doutor é rico, o doutor compra carro do ano" e tal. 



                      Quem fala essas coisas não sabe que, apesar de os médicos em geral terem rendas relativamente elevadas, em relação à média do trabalhador brasileiro, eles também se endividam com mais facilidade, porque precisam investir pesado para continuar exercendo a profissão, pagando muitos tributos e gastando com deslocamentos, alimentação, formação, entre outras coisas. Aqui não queremos nos colocar nos papéis de vítimas, porém gostaríamos que lesse a carta a seguir e tirasse suas conclusões.

Prezado companheiro,

Lembra-se daquele garoto que morava na zona rural de um dos municípios onde trabalho e que tentei encaminhá-lo à você? Então, tentei encaminhá-lo porque a avó dele, que é sua responsável legal, pediu para ser encaminhada para Fortaleza porque eles tinham planos de morar na capital. E eu vou deixar de trabalhar naquela cidade, em breve. Vai já entender o porquê.

Entre outras razões, lá não há um CAPS. Há apenas um ambulatório improvisado. A Secretaria de Saúde fez comigo um contrato verbal, me pagando algum dinheiro, para eu ir lá duas vezes por mês, sempre aos sábados, para atender de dez a quinze pessoas por viagem.

Quando comecei, há pouco mais de um ano e meio, fazia as consultas no hospital do município, um ambiente turbulento, onde os nossos pacientes psiquiátricos se misturavam com os pacientes que iam em busca de atendimento com o plantonista da emergência do hospital. Por vezes, os pacientes do lado de lá, sabendo da minha presença, se aproveitavam, se infiltravam entre os meus para se encaixarem e conseguirem consultas. Havia dias em que eu saía de lá mais tarde, por conta disso.

Depois que nos mudamos para um posto de saúde, que abre aos sábados especialmente para eu ou os outros especialistas que comparecem eventualmente fazermos os atendimentos, ficou um pouco mais tranquilo. Agora dá para atender todo mundo em um turno.

Parece um trabalho bom, fácil e agradável de fazer. Para mim, individualmente, estaria bom, se continuasse assim. Mas, para a comunidade, não.

Já conversei com a secretária de saúde, me propus e me disponibilizei a aumentar minha frequência de idas à cidade, para passar a ir atender um dia por semana, todas as semanas, desde que me pagassem devidamente, é claro, o que me parece não ser interesse deles.

Expliquei que duas vezes por mês já não é mais suficiente para atender à crescente demanda do município, principalmente agora que estão vindo pacientes de outros municípios. Com isso, as pessoas chegam reclamando de dificuldades para conseguir consulta comigo. Tem gente que atendi ano passado, mas só agora conseguiu retornar. Tem gente que passou mais de um ano aguardando consulta.

Explico essa situação às pessoas e oriento-as a procurarem as autoridades competentes locais para reivindicar seus direitos. Porque, como já era de se esperar, se eu fosse falar sobre isso, a secretária iria achar que eu estava querendo ganhar mais dinheiro em cima disso e não daria a devida importância. Então, é melhor que a reclamação parta dos usuários, não é???

Explico-lhes também que o município precisa de um CAPS, para que nosso público possa receber um atendimento mais integral, mais contínuo e mais longitudinal, por parte de uma equipe multiprofissional que possa estar mais presente nas vidas daquelas pessoas. Todos os outros municípios da região têm seus CAPS. Somente este município ainda não moveu um dedo para mudar essa situação e ainda quer carregar outros municípios nas costas.

De assistência psiquiátrica, este município conta apenas com minhas pontuais visitas, nas quais atendo praticamente sozinho, apenas com apoio de uma funcionária da saúde, que me arranja os blocos das receitas e o café. No restante do mês, as pessoas ficam desassistidas. Já vieram me questionar sobre a possibilidade de visitas domiciliares. Dizem que lá existe um NASF, mas não tenho contato com os profissionais de lá.

Além disso, dou alguns plantões por semana, num hospital psiquiátrico da capital, e trabalho no CAPS de outra cidade, durante dois dias por semana. E nosso CAPS, modéstia à parte, funciona. É como se fosse um rei, numa terra de cegos. É o serviço de saúde que melhor funciona, naquele lugar, onde a maioria das equipes de saúde da família estão incompletas e, às vezes, têm dias em que o hospital do município fica sem médico no plantão, acredita??? Já aconteceu de, numas dessas, mandarem os usuários do hospital irem atrás de receitas em nosso CAPS e de os funcionários do hospital irem pedir nossa ajuda.

O nosso CAPS foi inaugurado há um ano e, pelo que pude constatar, é o único da região que recebe crianças, até agora. Na verdade, a grande maioria dos CAPS do interior rejeita crianças e as encaminha sem clemência para a capital.

Se aquele menino fosse morador daquela outra cidade, ele estaria bem assistido, lá no nosso CAPS, pode ter certeza. Não tenho como encaminhá-lo para lá porque, além de a distância inviabilizar, não depende só de mim. A nossa equipe ainda está se articulando para decidir se vamos poder continuar recebendo crianças ou não.

Não sei se chegou a perceber, quando avaliou o garoto, mas o problema dele é mais social e familiar, do que propriamente psiquiátrico, embora ele se mantenha controlado com algumas gotas de um neuroléptico suave. Ele tem um rico histórico familiar de transtornos mentais, inclusive envolvendo drogadicção, e sua mãe, por exemplo, é incapaz de cuidar dele.

Queria encaminhar também uma menina que é TDAH de carteirinha, porque julguei que vocês tivessem mais estrutura adequada para lidar com alguém na situação dela, coisa que infelizmente não tenho. Ela é muito inquieta e obesa, anda de um lado para o outro, mexe no birô, sobe na maca e grita. Tentei prescrever-lhe Ritalina, mas a mãe não aceitou, dizendo que ela já tomou e que "não se deu". Toda consulta com essa menina é uma agonia. Como se não bastasse, a mãe dela também é nossa paciente, tem TAB, é evangélica e fica o tempo todo tentando me converter à sua igreja. 

Por tudo que disse, como pode ver, naquela primeira cidade, não tenho condições para conduzir sozinho casos como os supracitados ou mais complexos, e que têm aparecido muito por lá, não apenas em crianças e adolescentes, mas também em adultos. Porque nós sabemos que só passar remédios para aquele povo e atestados para ver se eles conseguem se encostar e arrancar alguns trocados do governo não deve resolver-lhe todos os problemas.

Na outra cidade, apesar de contar com a retaguarda de uma boa equipe multiprofissional no CAPS, ainda enfrentamos algumas dificuldades. Muitos pacientes ou cuidadores que encaminho para acompanhamento paralelo com a psicóloga ou com a terapeuta ocupacional, por exemplo, se recusam a ir. O povo ainda guarda muito daquela cultura de achar que somente o médico sozinho resolve tudo e ignora que as consultas com os outros profissionais também fazem parte de seus tratamentos. Por isso, vemos que os outros profissionais da saúde ainda não são devidamente valorizados como deveriam.

Enfim, as limitações que encontro num local de trabalho, que me impedem de acompanhar de maneira adequada os pacientes do lugar, somadas ao risco que minha vida corre, durante os deslocamentos nas estradas, mais do que valores salariais, me levam a repensar minha rotina de trabalho. Só Deus sabe o que será deles, quando eu não estiver mais lá.

Por essas e outras, voto contra estes governos estadual e federal hipócritas. Eles põem propagandas dizendo que estão abalando com o Mais Médicos e que conseguiram acabar com a falta de médicos no interior, mas nós sabemos que, mesmo nas grandes cidades, isso é mentira, não é???

E agora, um candidato daqui quer criar um sistema de notas para os profissionais dos serviços e diz que vai pagar gratificações. Esse mesmo candidato sempre diz as mesmas coisas. Se gaba dizendo que o governo do Estado criou no interior uma rede de serviços hospitalares avançados no interior que antes não existia e que acabou com aquela política de os municípios pegarem os recursos da saúde, investirem nas compras de ambulâncias para tocarem seus pacientes para cidades maiores ou para Fortaleza. Nós sabemos que isso ainda não acabou e que os tais hospitais terciários pelos quais ele se gaba até agora são apenas dois, em duas das maiores cidades cearenses, e que eles ainda não funcionam plenamente e à contento. Por sinal, um deles deveria ter leitos psiquiátricos, mas mudaram de ideia de última hora e converteram os leitos para neurocirúrgicos, e a população da região continua desassistida, quando precisa de internação psiquiátrica, precisando recorrer a Fortaleza.

A presidenta diz que vai criar o Mais Especialistas, mais uma maneira de tapar o sol com a peneira e os ouvidos aos conselhos das entidades médicas que tentam explicar as melhores vias para criar melhores postos de trabalho para os médicos com contratos trabalhistas decentes e estáveis.

E aquele seu ambulatório já está funcionando??? Vocês já estão contando com o apoio daquela equipe multiprofissional???

Obrigado pela atenção e pela paciência.

Atenciosamente,
          ****





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