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A Pandemia pode ter passado, mas, onde você estiver, não se esqueça de mim.

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Falando em Pandemia, ela se foi, mas o Coronavírus continua entre nós, fazendo vítimas.

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domingo, 12 de março de 2017

A educação no ritmo de um trote de cavalo



                   Passaram-se dezoito anos, desde que Edson Hsueh, filho de imigrantes chineses e recém ingresso no curso de medicina da USP, morreu afogado numa piscina num campus daquela universidade, durante a aplicação de um trote. Parece que, de lá para cá, nada mudou. O fato se perdeu no tempo, e a imprensa silenciou a respeito do assunto. Enquanto isso, a cultura estúpida e inútil do trote continua se perpetuando, e se aperfeiçoando, de geração em geração.



                   A cultura do trote se perpetua porque a vítima vislumbra a possibilidade de vir a ser trotista um dia e devolver o que recebeu em outro bixo, principalmente quando surge alguma identificação entre vítima e algoz. Talvez isso seja uma forma de síndrome de Estocolmo. Não é incomum, naquela fase de boas vindas do início do período letivo, os veteranos pegarem as calouras e, daí em diante, formarem-se casais de namorados, haja visto que, quando eles eram calouros, eles não podiam pegar ninguém, pois as moças do lugar os viam como bixos, e não como gente, portanto, não lhes tinham consideração. Outra razão fundamental para a sacralização do trote é o fato de ser social e amplamente aceito, dentro de um contexto. Por isso, raramente darão razão a quem se opuser à prática do trote, pois quem o fizer "que seja encarado como um pagão ou um publicano" (Mateus 18:17).


                   Quem demonstra uma opinião contrária ao trote pode, por conta disso, ser desqualificado, desprezado, taxado de careta e hostilizado por seus pares no meio acadêmico. Não é algo que surpreende, se considerar que rei em terra de cego não é quem tem um olho simplesmente, mas quem tem um olho a mais e pensa fora da caixa. A universidade supostamente é um lugar que forma quem pense assim, ou seja, que forma líderes, mas, na prática, pensar fora da caixa no campus tem sido a exceção, e não a regra. O trote evidencia que líderes têm sido forjados nas universidades de maneira anômala, a partir de relações sadomasoquistas entre dominadores e dominados, sem um pingo de amor e de respeito à dignidade e ao direito à vida de alguém.


                    O trote é um conjunto de brincadeiras de péssimo gosto, que podem ser feitas longitudinal e sistematicamente ao longo de um extenso período, com o intuito de humilhar e subjugar alguém considerado menos experiente e inferior por estar ingressando numa instituição de ensino superior. Brincadeiras que muitos ainda defendem como um costume, como um elemento cultural imprescindível das universidades e como um ritual de passagem que serviria para estabelecer relações e hierarquias. É tanto que aqueles estudantes que ainda estão nos colégios e nos cursinhos pré-vestibulares ouvem falar que aqueles que adentram as universidades são acolhidos com uma coisa chamada trote, passam a acreditar que o trote seja a coisa mais natural do mundo, associam uma coisa com a outra e criam expectativas.


                    Entretanto, há muitas coisas por trás de um inocente trote. É válido raspar os cabelos e pintar o rosto, e até outras partes do corpo, com tinta guache, desde que não seja contra a vontade da pessoa. Quem nunca teve a cara pintada no pré-escolar, não é verdade? Um banho coletivo para refrescar o calor num chafariz, num açude ou numa piscina é válido, desde que consensual e respeitando as normas de segurança pertinentes. O problema é que essas inocentes formas de batismo nas universidades podem abrir precedentes para coisas piores que seriam, no mínimo, sem sentido e degradantes, como, por exemplo, jogar ovos ou algo pior nos calouros ou obrigá-los a beber cachaça ou a pedir esmolas aos veículos parados nos cruzamentos para pagar bebidas diversas aos veteranos. Os noveis acadêmicos geralmente aceitam se submeter a esse tipo de situação porque estão muito empolgados por terem chegado aonde chegaram, onde, para eles, tudo é muito novo e natural. Aqui não se trata necessariamente de limites da legalidade, mas da moralidade e da ética. O que ultrapassar esses limites pode indicar muita falta de maturidade de quem o faz e "procede do maligno" (Mateus 5:37).


                    Quem conhece o trote por dentro, quem já o experimentou na pele ou quem já presenciou um inevitavelmente se pergunta como alguém desperdiça seu tempo e sua criatividade de maneira tão grotesca e como alguém pode ser tão preconceituoso ao ponto de se outorgar o direito de agredir alguém gratuitamente por acreditar que esse alguém é inferior e, portanto, merecedor de tudo que há de pior no mundo. Então, a você que é estudante universitário, seja você um trotista ativo ou em potencial, sugerem-se os seguintes questionamentos: é isso mesmo que Deus quer que você faça com seu próximo??? É isso que gostaria que lhe fizessem???


                    Se quiser se aprofundar mais no assunto que discutimos, sugere-se o livro Universidade, preconceitos & trotes, publicado pela editora HUCITEC em 2006, depois de escrito por dois ex-alunos de uma faculdade de ciências agrárias do interior de São Paulo que é famosa por seus tradicionais, grotescos e violentos trotes. Por hora, tenha uma boa semana e bons estudos.



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2 comentários:

  1. Excelente texto... De fato, o trote é um ato de péssimo gosto. Obrigada por compartilhar, Tony. Esse assunto é sério e merece ser amplamente discutido. 😉

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  2. Genial! Através de um apelo à lógica e mesmo à psicologia, você identificou a verdadeira pathos por trás dos trotes universitários

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