Afinal, o que é um remédio? Para que serve um remédio? Segundo o conceito do Instituto Virtual de Farmacologia do Rio de Janeiro, remédio " é qualquer substância ou recurso usado para combater uma moléstia". Ou ainda, segundo o Dicionário Online de Português, "Substância ou recurso de que se usa para combater uma moléstia. O que serve para aplacar os sofrimentos morais, para atenuar os males da vida. Tudo que elimina uma inconveniência, um mal: imaginar um remédio para a inflação monetária".
De acordo com os conceitos acima, podemos concluir que remédios são capazes de fazer somente o bem, resolvendo problemas. Podemos ainda concluir que, se remédios fazem apenas bem, então quanto mais eles forem utilizados, em quantidade e em frequência, mais benefícios ele trará. Simples assim.
Entretanto, não é bem assim que as coisas funcionam. Remédios também podem fazer algum mal. Mesmo em posologia adequada, eles podem apresentar efeitos colaterais, em algumas circunstâncias, efeitos indesejáveis que variam de acordo com o organismo de cada paciente. Se administrados em hiperdosagem, podem mostrar-se tóxicos, pois, segundo a máxima popular da farmacologia, "a diferença básica entre um remédio e um veneno é a dose". Por vezes, a diferença entre a dose terapêutica e a dose tóxica é muito pequena.
Imagino que você já deve estar se perguntando impaciente porque eu falei sobre isso. É porque, levando em conta os conceitos apresentados lá no começo, o médico também é um remédio. Um remédio que também já nasce doente e que ainda absorve parte das doenças daqueles a quem ele é administrado.
Chega um momento em que, de tanto fazer o bem, acabamos causando algum dano, em algum momento, principalmente depois de alguma hiperdosagem. Não causamos mal porque queremos. Acontece que, de tanto trabalharmos por nossa sobrevivência e para fazer o bem, "difundindo a saúde sobre a Terra", chega um momento em que pensamos ter o controle da situação, e a sociedade também pensa que temos. Ledo engano. Nessas horas, nos deparamos com a dura realidade. Nós ainda não temos controle sobre a morte e nunca teremos, mas há quem acredite que temos a obrigação de vencê-la, sempre, obrigação de abraçar o mundo com as pernas, prevendo o imprevisível e mantendo todos os pacientes sob nossos cuidados vivos, ainda que à revelia deles próprios, da natureza e da vontade divina.
No filme "O mistério da libélula", sob o qual comentei, numa postagem pregressa, havia um médico emergencista que trabalhava dias seguidos a fio e sem descanso, após a morte de sua esposa, até que alguém o advertiu de que ele não estava enferrujado, mas que ele estava afiado demais e que sua lâmina poderia ferir alguém no caminho. Quando se fala em ferir, não quer dizer necessariamente agredir ou causar algum dano ativamente. O problema é que, com o tempo passando, você não o vive adequadamente, se cansa mais depressa e corre o risco de ir se tornando insensível aos poucos, deixando passar batidas muitas coisas úteis ou agradáveis.
O sentimento de frustração e de derrota é amargo. Você percebe que você e sua ciência não são infalíveis. Você percebe que, por mais que você se esforce para se manter em alerta, sempre solícito e supervisionando tudo aquilo que está relacionado à você e que depende de você, o mundo está fora de seu controle e cheio de crianças ao seu redor. Os negócios e as pessoas ligadas à você são como crianças. Você precisa estar sempre observando-as e tentando conduzi-las para que não se machuquem e para que tomem atitudes favoráveis a elas mesmas e que mais tarde possam beneficiá-lo também. Por mais que você as ame e se preocupe com elas, você não tem o direito de prendê-las ou de interferir em suas vidas. Você quer o bem delas e, consequentemente, o próprio bem também, mas você não pode ser o anjo da guarda nem o super-herói delas 24 horas por dia. Você não consegue cuidar e se fazer presente nas vidas daquelas crianças como você acha que deveria ser feito. O que fazer? Colocar todas elas no colo de Jesus Cristo tem sido a melhor alternativa. Ainda sim, precisa ficar vigilante, porque, como diz o ditado: "És eternamente responsável por aquilo que cativas".
Por vezes, tenho a sensação de que preciso matar um leão todo dia, para aliviar a sensação de que as coisas estão fora de controle ao meu redor e para tentar aliviar a sensação de que alguma coisa acontece ao meu redor, por trás das paredes que me cercam, e de que algo se move debaixo do chão sob meus pés, tudo conspirando contra mim, porque nada está parado ao meu redor, tudo se move. Por vezes, tenho a sensação de que alguma coisa acontece, nos bastidores da minha vida, sempre que encerro uma jornada de trabalho e volto para casa. Queria acreditar que, nos lugares por onde eu passo, no meu cotidiano, tudo continua funcionando em harmonia e no seu devido lugar, conforme eu deixei. Queria acreditar também que o chão que eu piso é firme.
Por vezes, eu me pergunto se não há algum movimento nos bastidores contra minha vontade, como se fossem cupins degradando paredes e pisos, o que poderia fazer a casa desabar sobre mim, a qualquer momento. Por vezes, tenho medo de que o bem que eu pratiquei, dentro ou fora do âmbito profissional, retorne a mim com outra apresentação. Por fim, tenho medo de deixar de ser um remédio e passar a ser visto como um veneno.
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