Barca furada

Assim diz o Senhor Todo-Poderoso: Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião, os que se sentem seguros nas alturas de Samaria, os que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado, os que cantam ao som das harpas, ou, como Davi, dedilham instrumentos musicais; os que bebem vinho em taças, e se perfumam com os mais finos unguentos e não se preocupam com a ruína de José. Por isso, eles irão agora para o desterro, na primeira fila, e o bando dos gozadores será desfeito.

Amós 6,1a.4-7

                      Semana passada, causou polêmica a divulgação de um vídeo em que colaboradores da campanha de um candidato à prefeito de uma das principais cidades do Ceará estariam comemorando a vitória desse candidato e bebendo de um vinho português cuja garrafa estaria avaliada em mais de três mil reais. Até então, apenas uma inocente comemoração, não fosse por alguns detalhes.

                      Aquela celebração, na qual muitos gostariam de ter tomado parte, seria moral e eticamente questionável, dado o contexto em que ela se deu. Não vem ao caso saber a fonte do dinheiro que bancou a compra do vinho, mas seria interessante questionar porque esse vídeo veio à público, mostrando a ostentação de luxo e a opulência de indivíduos ligados à facção política que controla o governo estadual e muitos governos municipais, inclusive o da capital, como se fosse uma forma indireta de zombar de alguém, de demonstrar indiferença com a crescente miséria ao redor e de, mais uma vez, expor ao ridículo o povo cearense.

                      Quando cada um só pensa no seu, cada um constrói sua própria prisão, e de seus pares também, ao seu modo, ficando preso às consequências de suas decisões, e submetendo também os demais às mesmas consequências, pelo menos até que resolva tomar uma atitude para se libertar. Isso alude àquela história da aranha que ficou presa num relógio, tentando manter sua teia intacta entre os ponteiros que não paravam de se mover, em Nova Iorque, no início do século XX.

                      Este é o lado bom da democracia. Cada um é livre para tentar escolher o que julgar mais próximo possível do ideal para todos e livre também para festejar suas vitórias como bem entender, dentro dos limites do respeito e do bom senso. Quem se sentir beneficiado com a situação atual da sua cidade, fique à vontade para preservar seu status. Oxalá ele tenha coragem de se olhar no espelho sem se arrepender de suas decisões e sem se dar conta de que entrou numa barca velha e furada, quando ela já estiver naufragando mais rápido que o Titanic.

                      Tenha uma boa semana. 

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