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domingo, 6 de maio de 2012

O médico e o monstro 7


                            Estava pensando com meus botões sobre as expectativas que pacientes e seus familiares alimentam, quando saem de casa para uma consulta médica, expectativas em relação à própria consulta e em relação ao tratamento. E você, o que diz? Quando você vai a um consultório, qual é a sua conduta???

                            Você passa todo o tempo de que você dispõe dentro do consultório e espera resolver todos os problemas de sua vida numa consulta, nem que, para isso, tenha que se valer do tempo que seria destinado a outros pacientes que estão lá fora aguardando sua vez, ou você procura ser o mais objetivo(a) possível e resolver apenas os problemas mais relevantes, os que mais incomodam e os que são pertinentes ao ambiente e ao momento???

                            Se você opta pela primeira conduta, é mais ou menos como se você estivesse se afogando numa piscina, numa praia, numa lagoa, ou onde quer que seja, e logo se agarra desesperadamente ao pescoço do primeiro salva-vidas que aparece. Aí os dois se afogam juntos e ninguém salva ninguém.

                            Como você acha que os medicamentos agem no seu corpo e na sua vida? Você partilha a opinião de que os medicamentos têm poderes mágicos, bastando engolir um comprimido qualquer, sentar e esperar passivamente que esse comprimido faça um ato de feitiçaria complexa de outro mundo, no seu corpo, transformando sua vida, de uma hora para outra???

                            Se você pensa assim, você não está sozinho(a). Muitas pessoas que procuram médicos de qualquer área também pensam que os remédios fazem milagres. Basta tomá-los e tudo resolvido. Nós médicos, às vezes, também nos deixamos levar por essas expectativas, mesmo sabendo que os mecanismos de ação farmacológicas são muito mais rudimentares e de efeitos terapêuticos mais limitados do que você pode imaginar.

                             A maioria dos psicofármacos, por exemplo, que são os medicamentos de ação no Sistema Nervoso Central (SNC), empregados em psiquiatria e em neurologia, têm mecanismos de ação relativamente muito simples. Eles geralmente atuam como inibidores ou potencializadores da transmissão de impulsos elétricos, nas sinapses nervosas. Ou seja, eles apenas aceleram ou retardam processos que sempre transcorreram fisiologicamente no SNC, e nos nervos periféricos também. Os efeitos terapêuticos que vemos são apenas consequências. Ainda há muito a descobrir e muito a melhorar, no tocante aos mecanismos de ação daquelas substâncias e ao tratamento das doenças neurológicas e psiquiátricas.

                             Se um paciente psiquiátrico tem uma ideia persistente de tomar uma atitude grave, como tentar o suicídio ou de fugir do hospital, se estiver internado, por exemplo, é importante se valer de todos os recursos disponíveis para impedir que ele leve seu intento à cabo, mas saiba que não adianta apenas administrar-lhe psicofármacos, pois isso não vai fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos não diretamente. Em princípio, essas drogas vão contê-lo, deixando-o mais letárgico, mas pode acontecer de, passado o efeito delas, ele volte a pensar em suicídio ou em fuga e tentar outra vez, dependendo das causas que o motivem a isso e da doença psiquiátrica em questão. Os psicotrópicos podem resolver o problema em definitivo e salvá-lo, se eles fizerem cessar os delírios de perseguição e as alucinações relacionadas com aqueles delírios, por exemplo.

                             O SNC pode estar em condições patológicas quando se encontra em hiperatividade ou em hipoatividade. Nesta condição, é mais comum a depressão, porque o SNC procura preencher um vazio, e naquela, a mania ou a psicose, porque o SNC procura aparar os excessos. Por vezes, as duas condições podem se misturar, o que torna mais difícil ainda a compreensão absoluta da mente humana e o diagnóstico de doenças psiquiátricas. Depois eu quero escrever mais sobre isto.

                             Como eu dizia, nós da medicina, também, às vezes, nos empolgamos com essa possibilidade de os remédios fazerem efeitos mágicos, da noite para o dia, o que tem sido boa fonte de frustração, pelo menos para mim. Confesso que fico chateado, com sensações adicionais de insatisfação e de inutilidade, quando me vem um paciente, em consulta de retorno, mais de uma vez, dizendo que não está bem e que os medicamentos que prescrevi não surtiram efeito.

                             Se os pacientes em geral, especialmente os psiquiátricos, desenvolveram essa dependência em relação à certos tipos de medicamentos, não necessariamente psicotrópicos, a culpa é nossa. Nós os acostumamos mal, pois nós fomentamos essa dependência nelas, querendo resolver-lhes todos os problemas deles com remédios, até criar neles o reflexo condicionado de acreditarem que só vão conseguir realizar qualquer coisas na vida, mesmo coisas simples e corriqueiras, como dormir, ir ao banheiro, comer, por exemplo, se o doutor lhes prescrever uns comprimidos ou umas injeções.

                             Espero que você reflita um pouco sobre tudo o que escrevi até agora, para que possamos, um dia, quem sabe, chegar a uma solução em parceria para os questionamentos que levantei. Nossa discussão não se encerra aqui. Depois quero escrever mais sobre isto.



                            
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