Páginas

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Balão mágico


              Judas Iscariotes, grosso modo, teve um pouco de sorte, porque ele só faz papel de saco de pancadas da humanidade em um dia do ano, no sábado de aleluia, nos lugares onde ainda existe a tradição de se confeccionar um boneco de pano, atribuir-lhe características de alguma persona non grata da comunidade, batizá-lo de Judas, espancá-lo e queimá-lo. Deve ter sido por isso que Lady Gaga fez uma música em homenagem a ele.



              Quanto à Jesus Cristo, que se ofereceu para ser sacrificado, literalmente, em favor da humanidade, tendo-se tornado o bode expiatório que carrega quase todo o peso das mazelas desta nas costas, em forma de uma cruz, Ele vem cumprindo esse papel, todos os dias, há mais de dois mil anos. E nós, profissionais da saúde, o ajudamos bastante nesse ofício, de domingo a domingo. Longe de mim, querer me comparar com Jesus Cristo, mas é que eu e Ele temos algo em comum: somos homens de atitude. Enquanto Judas está sempre pendurado em algum lugar, eu e Jesus rastejamos sob os pesos de nossos fardos. Não, antes que você pense besteira, eu não tenho inveja de Judas e eu não considero o fato de ele estar pendurado um privilégio. Eu estou sendo apenas um pouco irônico.


              Ser médico não é um privilégio, é um dever e uma missão para a qual muitos são selecionados. Não digo que seja uma obrigação, porque nem todo mundo é obrigado a ser médico, embora algumas coisas que os médicos aprendem devessem ser seguidas e praticadas por todos os seres humanos, como a bioética, por exemplo. Depois eu quero falar mais sobre isso.

              Por enquanto, o que eu quero dizer é que o preço que eu pago para estar na posição em que me encontro é muito alto. Dinheiro nenhum no mundo me recompensaria devidamente por isso. Não escrevo isto por orgulho, nem por considerar a medicina superior às outras áreas de trabalho. Escrevo porque o desgaste causado por este trabalho é grande. Medicina é bom, mas às vezes cansa. Por causa dela, tenho deixado de viver normalmente, como qualquer outro ser humano. Deixei de vivenciar adequadamente esse período de transição entre a Quaresma e a Páscoa, como qualquer outro cristão, por exemplo.


              Tenho me sentido cada vez mais pesado, muito além de meus oitenta quilos. Queria poder cortar as cordas que me prendem e poder voar como um balão. Dizem que a alma pesa cerca de trinta gramas. A minha deve pesar mais de um quilo. Já que falei em cordas, você já deve ter ouvido falar da história de um alpinista que estava escalando sozinho uma montanha numa região fria e numa noite fria e escura, quando perdeu o controle e despencou no precipício. Ele caiu vários metros até ser contido pela corda a qual estava preso. Então ele ficou suspenso no ar por aquela corda, por alguns minutos, sem saber o que fazer. E ele pediu ajuda de Deus, que lhe respondeu, perguntando se o alpinista confiava que Ele poderia tirá-lo daquela situação. Respondeu que sim. Então, Deus disse que ele devia cortar a corda. O alpinista chegou a tirar a faca da cintura, mas ficou com ela na mão, vacilante, sem ter certeza de que a voz que ouvia era real e sem entender porque ela o mandava proceder daquela maneira. Na manhã seguinte, uma equipe de resgate encontrou um alpinista congelado e pendurado há cerca de dois metros do chão.

              Fecho esta postagem com a canção "Sonho de Ícaro", de Byafra, música relaxante e inspiradora, que deve me ajudar a sonhar que vou voar um dia, se Deus quiser. 




*****



Nenhum comentário:

Postar um comentário