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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Injeção letal

 


                    Soube do caso daquela menina de dez anos de idade que engravidou, no interior do Espírito Santo, após ter sofrido sucessivos abusos por parte de um parente, ao longo de quatro anos? Soube também que, há algumas semanas, ela foi transferida para um hospital em Recife, onde foi realizado o procedimento de indução do abortamento? É indubitável e profundamente lamentável o que aconteceu com a menina. São compreensíveis os sentimentos dela e sua concordância em abortar o concepto, na esperança enganosa de se ver livre de um problema impactante em sua vida, simplesmente extirpando de dentro de si uma outra vida, como se fosse um parasita, devido à sua imaturidade em lidar com esse tipo de situação. Ela não merecia ser vítima de zombaria, como se fosse culpada pelo que houve, muito menos ter sua identidade exposta.


                    Mais lamentável ainda foi o que aconteceu ao feto, um anjinho que apenas tangenciou o mundo e retornou ao lugar de origem, já que sua pré-existência aqui foi logo estigmatizada. Sem ao menos ter podido nascer, ver a luz e respirar, já foi rotulado como persona non grata, vindo a ser julgado por nosso Poder Judiciário, condenado por um crime que não cometeu, o de ter sido gerado de forma violenta e indesejada, e executado de modo cruento como um animal, como se não tivesse vontade própria, sentimentos, dores, esperança ou direito à vida, e como se o propósito de sua existência fosse apenas o de ser servido em sacrifício. É incrível que um ser humano seja executado deliberadamente pelas mãos do Estado brasileiro, no século XXI, ainda mais sendo inocente. Quase ninguém se posicionou contra isso, e muitos apoiaram. Infelizmente, esta não é a primeira vez que isto acontece, e certamente ainda não será a última. E ainda dizem que o Brasil não tem pena de morte.


                    A maneira como o bebê foi concebido teria grandes impactos fisiológico e psicológico nas vidas dele e da pequena gestante, e suas perspectivas de vida adiante poderiam não ser das melhores, mas um erro não justifica outro. Quiçá os profissionais de saúde que assistiram a menina tivessem se deparado com um grande dilema ético, ao se verem supostamente obrigados a sacrificar uma vida na tentativa de salvar outra. Eles não podem ser de todo culpados pelo que aconteceu, e a excomunhão católica para eles seria um exagero, mas não deixa de ser doloroso imaginar que alguém tenha coragem de sacrificar um bebê dentro de um útero, de forma tão cruel.


                    O Poder Judiciário merece ser respeitado, mas algumas de suas atitudes também merecem ser questionadas. E a humanidade precisa expiar suas faltas, cada vez mais. E esta Pandemia parece ter sido insuficiente para nos ensinar o valor da vida.




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