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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Para onde iremos


                       Nas últimas cinco décadas, o Brasil experimentou um pouco de tudo, política, social e economicamente falando. Provamos de um regime autoritário de exceção, instalado sob o pretexto de nos proteger de um mal maior. Será que isso justificaria todo o mal perpetrado pelo poder público, naquela época? Depois conversamos mais sobre isso.

                       Pois bem, no meio daquele estado de exceção, eis que surgiu um oásis de prosperidade econômica, de aparentes crescimentos da economia e do ego da nação, mas que, de fato, beneficiou apenas uma parte da população. Fenômeno similar viria a se repetir, algumas décadas mais tarde.

                       Com a "volta" da democracia, se é que, algum dia, houve, de fato, democracia no Brasil (antes mesmo do regime militar, já não havia liberdade de expressão no Brasil), "volta" essa que foi retardada e manipulada ao máximo, experimentamos algumas fases contrastantes. Primeiro, uma fase de decadência econômica, porém de um renascimento cultural que nos levantou a moral. Você pode conferir pelo teor revolucionário das letras de muitas canções do nosso rock nacional dos anos 80. Tendo crescido sob forte repressão, aquela "Geração Coca-Cola" chegou chutando o balde, disposta a desabafar aquele grito de liberdade que estava preso em suas gargantas e nas de seus pais. Ao contrário do conformismo e da aparente indiferença da Jovem Guarda e da sutileza firina de Chico Buarque, o rock da Legião Urbana, por exemplo, não tinha papas na língua e era bastante contundente, em suas críticas sociais. Em suma, a música brasileira da década de 1980, que não foi uma década tão perdida assim, apesar de, por vezes, a inflação ter atingido percentuais estratosféricos, e de terem sido instituídos vários planos econômicos, para tentar estabilizar a economia, foi a explosão de uma carga de dinamite, cujo pavio queimou lentamente, durante uns vinte anos.

                       Depois, veio uma fase neoliberal, sob governos de direita conservadora devotados a enfraquecer o poder estatal, dilapidando o patrimônio público, por meio das privatizações, favorecendo o capital e investindo contra a população. Embora tenha conseguido estabilizar a economia e desacelerar um pouco a inflação, por meio do Plano Real, o custo de vida se manteve alto, os aposentados foram desvalorizados e o padrão de vida da maioria dos brasileiros se manteve baixo.

                       Quando veio a fase populista, na qual nos encontramos agora, a transição entre as duas fases tornou-se um marco. Um marco porque, depois de mais de quarenta anos, seria a primeira vez que um presidente eleito pelo voto direto passaria a faixa presidencial para outro presidente também eleito pelo voto direto. Um marco também porque o Brasil jamais havia sido governado antes por um governo aparentemente tão próximo e tão identificado com o povo, um governo que, vamos e convenhamos, promoveu inclusão social sem precedentes na história e promoveu a retomada dos crescimentos econômico e do ego nacional, tal como na época do "milagre econômico", no final dos anos 60, como foi dito, anteriormente, embora, mais uma vez, nem todos tenham sido beneficiados com esses crescimentos. No entanto, não nego que houve algum progresso social. O zelador do meu prédio, por exemplo, tem um carro. Não é um carro zero quilômetro e deve ter mais de quinze anos de uso, mas duvido que, há vinte anos, um zelador de condomínio tivesse renda suficiente para comprar um carro usado qualquer. Se pudesse comprar ao menos uma bicicleta, seria lucro.

                       Por outro lado, coincidência ou não, apesar da inclusão social, dos diversos programas sociais, da geração de empregos e de aumentos nas rendas dos brasileiros, houve um agravamento da violência, nos últimos dez anos. O narcotráfico, a "saidinha" e o "sequestro-relâmpago", por exemplo, se alastraram para os sertões e ganharam o território nacional. Não sei dizer se isso se deve ao fato de o poder público ter pisado na bola em algum ponto ou se faz parte de uma tendência progressiva e inexorável, independente da política. O fato é que muitos jovens continuam preferindo ingressar no narcotráfico a estudar ou trabalhar, e todo esforço em tentar mudar essa realidade parece ter sido em vão. Como foi dito antes, podia ser pior, não fossem iniciativas isoladas, como a da Orquestra Sinfônica de Heliópolis, por exemplo, na qual jovens de uma das comunidades mais estigmatizadas de São Paulo investem em música.

                       Me refiro a esta fase como populista, porque estes últimos governos não foram dos trabalhadores nem para os trabalhadores. Foram governos baseados em conchavos com oligarquias oportunistas que se tornaram pseudoesquerdistas, da noite para o dia, ao ver para onde se direcionava a maré, a fim de não perderem seus privilégios. Infelizmente, foram preservados os defeitos das gestões anteriores. Por isso, vieram à tona casos como os do Mensalão e de Carlinhos Cachoeira. Como foi dito antes, todo mundo que chega ao poder tende a agir como um parasita, explorando ao máximo as benesses do poder, em benefício próprio e de seus apadrinhados. Como dizia Cazuza, que também fazia parte da "Geração Coca-Cola": "Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não para, não para, não, não para".

                       Enfim, a direita e a esquerda tiveram suas oportunidades de governar e de transformar o Brasil. Ambas nos decepcionaram. Que opções nos restam agora???

                       E agora, para onde iremos??? Teremos que construir nossos caminhos por nós mesmos??? Como faremos isso??? Não sei como, mas sei que é algo factível. Podemos não contar com as leis em nosso favor, mas nem por isso deixamos de ter nossa força política. Depois conversamos mais sobre isso.

                       Para encerrar, clipe da clássica canção "Será", da Legião Urbana, em homenagem à Renato Russo, que eternizou-se há dezesseis anos. Esta canção foi o primeiro sucesso da banda, com uma letra bem subversiva, um chute nas partes mais delicadas da ditadura, mas que também expressava as incertezas sobre o futuro da nação, naquela época, e podemos trazê-la para a atualidade, expressando também nossas incertezas de agora sobre o próximo caminho a ser tomado e o próximo passo a ser dado.





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Um comentário:

  1. Realmente essa pergunta é muito difícil de ser respondida.

    Excelente artigo. Parabéns!

    Abraços!

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