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sexta-feira, 4 de maio de 2012

O médico e o monstro 6


                               Às vezes, me sinto como se estivesse num paredão, mas não me refiro àquela atração do programa BBB. Trata-se de uma espécie de paredão moral, diante do qual sou posicionado para ser metralhado pela opinião pública, não necessariamente com o objetivo de condenar, mas de me cuspir cobranças, até que me veja obrigado a carregar o paredão nas costas.

                               Não é fácil estar na minha posição. Não sei se é porque sou meio paranoico, mas sempre me pergunto se estou correspondendo às expectativas da sociedade, em relação a uma pessoa na minha posição. Sempre tenho a impressão de que eles, não apenas os pacientes, mas também aqueles que trabalham comigo ou para quem trabalho, sempre vão exigir mais que a minha capacidade. 

                               Por vezes, minha equipe me põe na parede e me criva de perguntas. Não é que ache isso de todo mal. Às vezes, é até necessário, bem como desconfortável. Já havia escrito algo sobre isso, há alguns anos. Escrevi que não são as respostas prontas que movem o mundo, mas, sim, as perguntas.

                               Por vezes, meu ofício me faz sentir como se estivesse segurando uma represa prestes a romper e lutando contra as forças da natureza, porque estou lutando para atender de maneira organizada e à contento uma demanda progressiva e vertiginosamente crescente, sobre a qual não tenho controle algum.  

                               Grosso modo, as doenças, especialmente as doenças psiquiátricas, são manifestações da natureza comparáveis aos furacões, aos terremotos, aos maremotos e às erupções vulcânicas, por exemplo. São manifestações da natureza porque são resultantes de processos biológicos e psicológicos abstratos sobre os quais não temos domínio absoluto, nem sempre podemos prever ou determinar data, horário e local de surgimento dos sinais e sintomas. Quando eles vêm, só nos resta estarmos adaptados e preparados para debelá-los e sobreviver ao impacto gerado por eles.

                               Estabelecer contato com muitas historias de vida, as histórias dos pacientes que passam por nossas vidas, é enriquecedor, mas tem seu preço. A gente se desgasta também com isso, porque a gente absorve muitas das angústias e de outros sentimentos negativos transmitidos pelo paciente, que entram em ressonância com o que há de residual guardado dentro de nós. E isso mexe conosco. 

                               Ao contrário do que você possa pensar, médicos não são elementos químicos inertes. Nós também reagimos com o ambiente, com as circunstâncias e com outras pessoas. Nós também, por vezes, somos capazes de sentir raiva de pacientes e de seus familiares. Em alguns de meus locais de trabalho, há certas atitudes de alguns pacientes ou de seus acompanhantes que me irritam e que não vale a pena entrar em detalhes para não ser indiscreto ou antiético. Por isso, nos é indicado submetermo-nos às sessões de psicoterapia ou de psicanálise.

                               Como você pôde ler, aqui praticamente me eviscerei e apresentei um pouco do lado negro do meu metiê. Depois quero escrever mais sobre isso.



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