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terça-feira, 6 de março de 2012

O médico e o monstro 2


Retomando o que eu estava dizendo sobre o livro “O médico e o monstro, trata-se de uma obra de ficção científica e policial que versa sobre os trabalhos de um médico londrino chamado Harry Jekyll empenhado em desenvolver uma droga psicotrópica que seja capaz de separar os lados bom e mau da personalidade de um mesmo indivíduo, neutralizando o último. Usando a si mesmo como cobaia, sempre que ele ingere a droga, ele se converte em uma outra pessoa completamente diferente. Ele se transforma em um homem mais baixo, encurvado, com um jeito de olhar bem peculiar e marcante, e, acima de tudo, com um desejo de matar para sentir prazer. 

Este ser abjeto é o conjunto de tudo que há de mais sórdido e negativo na personalidade de dr. Jekyll e que ele vinha até o momento guardando e abafando dentro de si. Em determinado momento, ele perde o controle da situação. Ele passa a se converter esporádica e aleatoriamente no seu alter ego, que se chama Edward Hyde, mesmo sem tomar uma dose da droga. Então, mr. Hyde foge de casa à noite para matar, como se fosse um vampiro. Um advogado que investiga os crimes de mr. Hyde chega a declarar: “Se ele é mr. Hyde, então eu sou mr. Seek. E vamos brincar de esconde-esconde, então.” Ele faz um jogo de palavras interessante, porque “Hyde” significa “esconder”, em inglês, e “Seek”, “procurar”. “Hide-and-seek” significa, então, “esconde-esconde”.


Segundo a psicanálise, todos nós temos dois lados: o id, que é o nosso inconsciente, nosso lado mais emocional, e que alberga nossos desejos reprimidos e escondidos, por vezes esquecidos, e o ich, que é o nosso ego, nosso consciente, nosso lado mais racional, o nosso lado que se projeta para o mundo e que geralmente, nas pessoas ditas normais, está com o controle do indivíduo. Na história em questão, Edward Hyde seria a expressão personificada do id de Harry Jekyll, que apodera-se de sua pessoa. A psicanálise propriamente dita e as diversas formas de psicoterapias têm por objetivo induzir o paciente a liberar, de maneira controlada e sem agressividade, podendo haver alguma carga de emoção, se necessário, esse “monstro” dentro dele, esse id, mas não para se converter nele, mas sim para se desfazer dele. 

Essa liberação deve ser feita principalmente por meio da fala. O paciente deve sentir-se à vontade para falar e desabafar seus conflitos internos e as suas lembranças sórdidas que estão guardadas nos rincões mais profundos da memória e que geram tais conflitos, sendo estes causadores de sofrimento externalizado ou reprimido. Todo esse material negativo guardado no inconsciente, se não for eliminado de alguma forma, pode, cedo ou tarde, “explodir”, transformando um paciente em um “monstro”, ou seja, em alguém completamente diferente, ou pode se manifestar como uma doença física. 

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, iniciou sua carreira médica estudando neurologia, tendo como mestres Breuer, consagrado neurologista de Viena, e Charcot, uma eminência nesta especialidade, em Paris. Com aqueles dois preceptores, ele aprendeu as bases para elaboração da ciência que viria a criar, no fim do século XIX. Em parceria com Breuer, ele publicou, em meados de 1890, o livro “Estudos sobre a histeria”, no qual ele descreve casos clínicos de pacientes com ricas manifestações neurológicas, que obtiveram melhoras com a catarse emocional, botando prá fora seus conflitos internos e suas piores lembranças relacionadas. 

Essa catarse, por vezes, podia ser estimulada por meio de hipnose, que acessava diretamente o inconsciente do paciente, tirando as informações necessárias de lá. Essas sessões seriam parecidas com sessões de exorcismo, nas quais o sacerdote reza, invoca entidades religiosas, como o Espírito Santo e o Sagrado Coração de Jesus, por exemplo, apresenta ao paciente uma cruz, asperge-lhe água benta e impõe-lhe as mãos, em nome de Jesus. Tudo isto faz com que o demônio que está albergado na pessoa se abale e provoque abalos no corpo possuído. Mas ele não desocupa o corpo sem antes responder a um rápido interrogatório feito pelo sacerdote. O próprio Jesus Cristo, segundo algumas passagens do Evangelho, também procedia assim, ao expulsar demônios. Em uma postagem futura, quero comentar mais a respeito das curas feitas por Jesus Cristo. 

Voltando ao caso da hipnose, ela se assemelha ao exorcismo, guardadas as devidas proporções, porque muitos dos pacientes nos quais Freud a aplicou responderam com ataques epilépticos, para, em seguida, despertarem, porém ainda inconscientes. Então Freud fazia um interrogatório dirigido diretamente ao id, e assim, esvaziando o depósito de todas as piores coisas que podem ser estivadas no pensamento, de uma maneira mais branda, o “espírito” acabava sendo expulso do inconsciente, a pessoa retornava ao seu consciente e estava curada. Com o tempo, Freud foi refinando sua técnica, abandonando a hipnose em favor da catarse gradual, por meio do discurso espontâneo da pessoa consciente, dividido em pelo menos cinco sessões por semana, para manter o ritmo e o condicionamento mental, nas quais ele ouvia os pacientes contando seus problemas, interpretava-os, redirecionava seus discursos, quando necessário, e os deixava falar, até que caíssem as fichas, ou seja, até que eles atingissem o insight, ou seja, se autodiagnosticassem, descobrindo as fontes reais de seus problemas.








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Um comentário:

  1. OLá Ynot !

    Vim pela sua indicação de leitura e achei o texto maravilhoso !
    Cheio de informações relevantes e detalhes importantes que nos fazem refletir sobre nós mesmos e também, conhecer um pouco mais sobre o mundo intrigante dos mistérios humanos.
    Obrigado por compartilhar conosco, o texto está riquíssimo ;)
    Creio que todos temos este lado sombrio, que se não conhecermos pode ficar descontrolado e até mesmo nos dominar :)

    Grande abraço e um ótimo restinho de semana !

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